terça-feira, 5 de abril de 2011

olhares e enganos


12 de outubro de 1979 nascem os filhos de Ana e Fred. Gêmeos idênticos com apenas uma diferença física, o sexo. Frida regida pelo signo de libra, com ascendente em virgem e lua em câncer, sentiu os ares mundanos a partir das 4:13 da manhã daquela primavera pré-oitentista, Fernando veio exatos 12 minutos depois com o mesmo mapa cósmico da irmã. O parto por pouco não se realizou no próprio carro da família. Ana chegou ao hospital praticamente parindo. Tinham pressa a chegar aqueles dois. Frida e Fernando cresceram na mais perfeita sincronia. Era espantoso como os dois se completavam. Mesmos gostos, mesmas sensações, até na fala às vezes se confundiam. Amavam-se infinitamente. Seus pais tinham certa dificuldade em mostrar-se contrários a alguma opinião dos dois, pois eles rebatiam juntos, um na defesa do outro e se os pais não cedessem a discussão acabaria em briga. Sempre tiveram quartos separados, porém, aos dez anos, Frida, que tinha o hábito de dormir despida, foi ao quarto de Fernando e deitou-se vagarosamente ao seu lado. O irmão percebeu alguns minutos depois e a partir deste dia, ambos passaram a dormir juntos todas as noites possíveis. Frida acordava um pouco mais cedo e voltava para a sua cama, para os pais não perceberem. Não sabia por que, mas não queria que eles descobrissem essa parte da sua intimidade com Fernando. Os gêmeos tiveram praticamente todas as suas descobertas compartilhadas, inclusive o sexo. Gostavam de brincar sempre atuando como se estivessem encenando uma peça para um grande público. Os personagens eram irmãos, amigos, amantes... dependia apenas da criatividade deles no momento. Até o dia em que resolveram se entregar realmente um ao outro. Primeiro fizeram um pequeno corte no dedo e misturaram gotas de sangue ao vinho que bebiam, ali selariam sua unidade untando o sumo biológico de cada um. E depois fizeram amor, de um jeito que seus corpos se confundiam, viraram uma só verdade. Fernando penetrava Frida e ao mesmo tempo em que sentia o seu órgão dentro dela, sentia como se também estivesse sendo penetrado, a partir dali sabiam que nunca mais poderiam ser de mais ninguém, seria um afronte a natureza. Seus pais nada sabiam até o dia em que Ana, passando por um período estressante no trabalho, teve insônia e resolveu vagar pela casa. Ao passar pelo quarto de Frida, ouviu gemidos e murmúrios de prazer. Foi então que ela abriu a porta e deparou-se com o que os irmãos mais temiam que um dia visse. Ana ficou desesperada, mas não teve a reação esperada. Não gritou, não agrediu, estava aparentemente controlada. Apenas deu as costas, foi calmamente à sacada e atirou-se do 21º andar. Fred só acordou quando bateram na porta avisando que sua mulher havia praticado o suicídio. Frida e Fernando estavam em seus respectivos quartos fingindo dormir, como se nada tivesse acontecido. Cinco dolorosos anos para Fred se passaram. Teve de responder inquérito policial, cuidar de todos os bens da família e principalmente indagar-se todas as noites o por que do suicídio do amor de sua vida. Frida e Fernando, ao mesmo tempo em que sentiam a dor da perda da mãe, sentiam-se aliviados por sua morte, assim seu segredo estaria guardado a sete palmos. Continuaram suas vidas, suas atuações, discussões e relações sexuais. Certa vez, numa de suas divagações, Frida dizia sentir-se em um mundo prémoldado. “Você não tem espaço para criar o novo... o novo já existe, já tem nome, definição e todos os rótulos possíveis. Isso nas artes, na escrita, nas relações... Tudo tem um rótulo e um julgamento e eu não agüento ficar presa a essas amarras.” Fernando concordava e dizia que também se sentia assim, mas que pelo menos eles tinham um ao outro e isso já era uma forma de se desprender. “Pois ninguém tem o nosso privilégio de ter nascido, crescido e vivido todo o tempo com a sua metade. Somos a mesma pessoa em corpos diferentes e por isso ficaremos unidos para sempre”. Os irmãos nesse mesmo dia resolveram ir a uma festa da faculdade. Frida e Fernando tinham que cuidar para não serem percebidos, pois seus olhares eram tão explícitos que pareciam denunciá-los a cada segundo. Frida, por um instante, foi pegar uma bebida, enquanto o irmão conversava com um grupo de ex-colegas. Fernando então foi beijado por uma das garotas embriagadas no momento em que Frida retornava. Ela ficou atônita, nunca haviam se relacionado com outras pessoas sexualmente, e até nas amizades eram superficiais, pois pensavam não precisar de outros seres humanos para serem felizes e completos, bastavam os dois. Frida saiu correndo antes que Fernando percebesse que ela havia visto o beijo indesejado. Ele, em seguida, empurrou a beberrona e saiu à procura de Frida que, no momento em que ele a encontrou, já estava morta no meio do asfalto, atropelada por um ônibus. O motorista desesperado dizia que ela se atirou na frente do veículo. Fernando, ao ver o seu corpo estirado no chão ensangüentado e sem vida, roubou a arma de um dos policiais que estava em volta do tumulto e sem pensar em mais nada deu um tiro na boca. A última palavra que veio a mente dos dois antes de morrer foi “traição”.


Rafaela Uchoa

3 comentários:

angela disse...

De tirar o fôlego. Um tema difícil tratado com honestidade num ritmo forte.
Gostei.

filipe com i disse...

perder a completude do gêmeo, e depois?, a morte?

José Doutel Coroado disse...

Muito Bom!
abs