sábado, 26 de fevereiro de 2011

A gente vai levando

Muralhas
cercam
meu carinho
para que ele
possa viver
não há saída

Minha dor
é
filha da solidão
d'estéril serro
colheita perdida
sangue infecundo

escorre muda

Só suspiro

palavra que não nasceu


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Eu quero é dormir na praça!

30 anos dura a dita (dura)

18 dias leva o povo a derrubá-la

Pirâmides balançam, a Esfinge sorri

(os canalhas estupram)

chupa que é de uva Ben Ali, Mubarak, Kaddafi e tutti quanti!

1984

jornais, rádios, revistas e a TV plim-plim não davam

mas o país convulsionava, novos ventos sopravam

eu voltava da escola, engolia um mistão e corria para a Sé

meus pais, informados pela mídia chapa-branca, nem desconfiavam

eu não, ligado no Facebook/Twitter da época

me embriaguei por estar do lado "certo" da história

os comícios passaram a ser medidos pelo milhão

a praça era do povo como o céu do condor

na minha terra havia e há, palmeira, jasmim e sabiá

agora, revolução à vera, cá nunca houve nem há

e já que condor aqui não se dá, quem comeu foi urubu

e carcará

27 anos depois, olhando a praça Tahrir é que vi

com meus olhos de cego vi o que não estava lá

vi o que lá não tinha, mas tinha no Diretas-Já:

palanque armado, camisetinha, celebridades, políticalha e jabá

os gambé vazaram aprovando uma Anistia que lhes cobria o rabo

os bacanos se atracaram ao butim dizendo aos brados

é de vós que o poder vem, às urnas, macacada

mas voto não teve não, teve foi gambiarra e acordão

e, de lá pra cá, os gabirus do palanque do poder não saíram mais não

por isso é que eu quero voltar para a praça e berrar a todo pulmão

chega de Tiriricas, Capitão Nascimento para presidente!

Capita, o inimigo agora somos nós!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Pinel



a Sindrome de Asperger é uma forma de ser
não é mais um diagnóstico psiquiátrico

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

a queda

Logo depois de completar trinta anos de idade, Munir começou a pensar seriamente que um dia faria quarenta. Então, talvez fizesse cinqüenta e, bem depois, sessenta, e até mesmo setenta anos. A idade atual do seu pai, que viajava ao seu lado. Tudo isto teria lhe parecido impensável até há bem pouco tempo.

A morte não é uma coisa que possa ser pensada. Ninguém sabe ao certo o que ela é, ao menos não em primeira mão, não por experiência direta. Verdade que se pode argumentar com os relatos de pessoas que tiveram experiências de quase-morte, mas aí tudo vai girar em torno desse exasperante “quase”.

Ainda assim, pensamentos de morte eram inevitáveis, já que faziam aquela viagem para cumprir a vontade da avó Latifa. Ela incumbira Faysal de levar pessoalmente suas cinzas e de as espalhar nas barrancas do Juruá. No Acre, dizia ela, a família Auad tinha sido brevemente feliz. A urna viajava no colo dele.

Munir sabia da fobia paniquenta que o pai nutria por viagens de avião. Admirava a valentia fingida com que o pai se portava, agarrado ao cofre como um náufrago ao restolho do mar. O pai tinha sido a grande esfinge da vida dele, até que se desinteressara de entendê-lo. Um homem tímido, macambúzio, um fracassado em todos os negócios que tentou; vítima habitual de sócios inescrupulosos.

Mesmo casado e com quatro filhos, Faysal nunca saiu da casa da mãe. Por um motivo ou por outro, sempre levou a mãe a tiracolo, e sempre foi ela que o socorreu nas inevitáveis bancarrotas. Como seria de se esperar, a vida do casal foi um inferno. A lembrança mais antiga de Munir era uma cena na cozinha com a mãe chorando e as lágrimas dela caindo sobre as claras batidas no pirex escuro.

Cada máxima de sabedoria do pai ele desmentira na sua trajetória exitosa. Não tenha nunca sócios, não confie em ninguém fora da família, ou fora da colônia, dedique-se a um negócio apenas, não se arrisque com o que não conhece e por aí afora. Munir tornou-se, em muito pouco tempo, um dos empresários do setor têxtil mais influentes do país, levantando do chão um império. Sozinho.

Mas não era um homem só. Pelo contrário, havia encontrado a felicidade na vida a dois. Mas era uma felicidade clandestina; em pleno século XXI, tinha de esconder o fato de amar um outro homem. Já se lobrigavam esparsos exemplos de tolerância relativa na colônia sírio-libanesa, porém, não alimentava esperanças quanto a ver a família Auad pelo menos admitir o declínio da Idade Média.

Foi quando o avião começou a cair. Sem aviso prévio, entraram numa zona de turbulência em que as cada vez mais comuns ― e gigantescas ― massas de nuvens arremessavam o avião em todas as direções possíveis. O terror instalou-se a bordo, o comandante berrava no alto-falante para que todos retornassem a seus lugares e iniciassem os procedimentos de emergência.

A angústia e o tédio são as duas maneiras principais de lutar contra a morte. Achar que se a pode enfrentar com habilidade e paciência é uma dessas maneiras; Munir praticava esportes radicais no limite da segurança. No outro pólo, seu pai fugira a vida toda de qualquer situação em que pudesse perder o controle; mesmo ao custo de se anular. Todos a bordo tinham deixado cair as máscaras. As cinzas da avó Latifa se espalhavam no chão da aeronave.

O avião continuava em queda livre, só restava o fundamental.

― Não quero saber se ele está em reunião, chama o Alfredo, é muito urgente!... Amor, sou eu, tô no avião, fica calmo, a gente está tendo problemas, hã?..., sim, parece sério, olha, eu quero dizer que te amo muito, você é tudo pra mim... alô, alô?... Droga, caiu! ― quando se virou, viu que o pai o olhava bem dentro dos olhos.

― Também preciso te dizer uma coisa...

Naquele momento, e depois de um silêncio que pareceu interminável, o comandante voltou a comunicar a todos que se mantivessem afivelados às poltronas porque dentro em breve deixariam a zona de turbulência. Quando pousaram no Aeroporto Plácido de Castro, Faysal se levantou rapidamente do seu lugar desvencilhando o braço do filho que queria conversar. Achou que não precisaria ter feito um gesto tão rude.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Por aí



Vibro em sons
tons
odores
sou volátil
sou portátil
saio com os ventos
pelos cantos
encontro puros e impuros
todo tipo de gente

Viajante sem bússola sem destino
sem preconceito ou conceito
sem corpo sem pecado
ungindo campos cidades

Insensato Sonho!
-desejo que caminha por aí- 

Quem sabe algum som sabor ou cor
o toquem bem de mansinho...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Eu, o lobo

Por que razão vem à noite?
Para poder cavar em paz e sem pressa
os barulhos da noite o escondem
Qual o motivo do buraco que cava?
O buraco não tem motivo
apenas a ausência necessária
para que ninguém se julgue ileso
Ele está dentro da casa
Como sei que está aqui
e não escondido no mato?
Eu que deixei entrar
É uma fera terrível
devorou toda uma família de anões
Por que sei que é um lobo?
Eu que o criei
desde a barriga da loba
Esperamos a polícia mas é ele
(o lobo) que gosta de polícia
Há uma arma
mas não há coragem para usá-la
Por que é que nunca soubemos
desse quarto no subsolo?
Ele foi lacrado para que
sobre os seus segredos pudéssemos viver
ao rés do chão
Como pode ter certeza
de que há crianças na casa?
Onde há crianças há o medo
dos lobos
Qual o motivo de os temermos tanto?
Um cão pode voltar
a ser lobo e vice versa
nós estamos condenados a ser uns
os lobos dos outros
Vi ou sonhei que vi
a mulher se aproxima do bebê que chora
pega-o no colo e retira do seu pé
um espinho em seguida cuida
do ferimento.
____________________________________
___
desenho: "Nuna djá Nela" de Guga Alayon 2010

todas devem pra Leila

toda mulher é meio anarquista
lenda
sob hipocrisias medulares
a esbórnia matinal da vida


toda mulher é do mundo
abilolada
as mil estilhas cintilantes
das palavras e das bombas


toda mulher é solar
e
gostaria de andar nua
por dentro e por fora no meio
da rua


é preciso des-educar-se
senão as coisas ficam sepultadas
(dentro da gente)
ou saem na urina e no cocô


se a tua alma não fosse noite
eu gritaria do fundo dos teus cabelos-névoa
ou da tua boca, que é um berço,
onde navego pela paixão de mudar
o mundo

sexo feliz como as paixões serôdias

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A DOR



















Se fosse bom, não precisava testemunha,
se fosse certo, não seria tão gostoso,
se fosse eu, não pensaria duas vezes.

Ah, a dor de ser...

A dor de ser humanamente razoável,
de re-fletir,
de re-frear,
de re-tomar.

Todo frangalho certamente foi inteiro,
todo bagulho certamente teve um dono,
toda a ciência é só isso, ou nem é isso.


foto: Zhang Dali

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

a obra do amor


A faculdade do conhecimento reconhece a dívida da memória para com a presença. Logo, o saber está longe de serena segurança.

O certo é que um amor é o amor em si mesmo, pois que cada mônada é um cosmo, feita de contingência e solidariedade e mistério.

No amor não há dúvidas, só o fanatismo visionário daqueles que se abrem às promessas do abismo.

Viver as babilônicas possibilidades: o teatro, a liberdade, o eterno pacto com o desconhecido.

Não sei o nome da fera que me apareceu em sonho, não sei e não quero saber. Há coisas demais do “outro lado”.

Agora que esqueci, sinto a falta dela, para falar a verdade, sinto falta da ausência que ela me faz.

Imagino que sei o isto significa: só me cabe o amor que termina antes de começar, que é túrbido vazio, aposta. Amarei no mais que perfeito.

Às vezes um espelho num lugar inesperado, outras, uma superfície qualquer produz esse menos-que-segundo de irreconhecimento ― quem seria?

Amor, desamor, reciprocidade, desafinamentos eletivos, universo efêmero que dura o luto de um entretempo.

O que seria amar o amor, confiar, incauto, no seu poder ignorado?

Só por ele acedemos à real urgência do instante, e só desta forma o exílio adquire suficiência e revelação, já que não existe nome para esta força, não há força que a possa dizer ou negar, constranger ou provar.

Ansiamos retê-lo, mas então o amor não se mostra; gostaríamos de transformá-lo, mas ele é pura metamorfose; desejaríamos agradecer-lhe, mas ele é perfeita generosidade e aventura.



domingo, 6 de fevereiro de 2011

poemas não chegam a ser coisas mas duram mais que elas


as poesias mais belas são escritas
numa língua estrangeira que mais ninguém
decifra não de todo nunca
definitivamente

as poesias mais belas têm sentimento
o fervor
da oração das crianças o escrúpulo
inquieto das lições de casa malfeitas

as poesias mais belas são verdadeiros pensamentos
que vêm tanto do coração do sexo do
eu-pele
como do cérebro

as poesias mais belas têm sangue ardente
de emoções e instintos correndo
por elas qual fogo de santelmo
na tempestade no heliotrópio

as poesias mais belas são descabeladas
bacanais amizades entre fêmeas
comunas redes sociais sinapses
porque poesia é jogo (infinito) desfile
de signos

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Revista Lowcultura #1

Para Download acesse: http://www.dasdoida.com.br/loja.htm

colabore com o #2 da Revista.

tornar-se outro, ou a gênese do humano


autotélica
a experiência do vivido se fecha
sobre si mesma a duração
não encontra fim
mas acaba
sem justificar nada ou ninguém
(som & fúria & loucura & bebedeira & que não significam nada, etc., etc.)

posta no vazio a queimar
com sua luz própria
a obra
povoada de vidas circunstâncias pressões
e acaso
se perde sai do isolamento e inicia
uma fusão a frio entre
a arte e o ser

Fale comigo.
Você que me deixou só, mergulhado nas fornalhas,
os rios negros da Geena;
por que nunca fala o que está pensando?
Há conforto para você em seu silencioso céu
enquanto receio que as flores não amanheçam,
murchem
como os beijos que acabam?
Tive minha chuva de lágrimas;
foi noite escura, na certa,
foi a desolação deste lugar bravio.

concedo: viver é bem mais estranho
arriscado
estúpido
milagroso
e inútil do que a morte
angustio-me
― é inevitável
como os pedágios na autoestrada
as consultas do dermatologista e o controle
do colesterol

se não posso ser autista
realizo no entanto um esforço destro
essencialmente biográfico (e mutante) mas incapaz
de enfrentar o trânsito da metrópole
onde encontro com hora marcada o coração selvagem
da vida

se não posso evitar o sofrimento
ao menos aspiro criar o meu privado
equívoco
minha ilusão de inalienável idiotia
como fazem os heróis sem saber
como fazem os poetas por querer
como fazem todos na desmedida de suas
possibilidades