quinta-feira, 31 de março de 2011

a força de atração


QWERTY me desafia:
― Não importa o que faças!
Ele está certo.
não sou nenhum Pessoa
mas carrego muitas
pessoas em mins

as constantes mudanças de estilo e técnica
são sinais de falta de maturidade indicam um período de transição
o que acontece é que o capitalismo faz deste período de transição um período [permanente

pratico uma vida cotidiana graças aos objetos
(fujo, finjo, já que é por eles que deveria estar enlutado)
e isso me permite, ainda que regressivamente, viver

reconheço que é uma paixão de colecionador e que provoca
uma certa perda do sentimento de atualidade
uma vez que a organização da coleção ambiciona
substituir a métrica do tempo, um passatempo diria,
meu passatempo, mas, para mim, é muito mais que isso, já
que o abole

é que um mundo sem carência seria impermeável, acarretaria
uma reabsorção definitiva da fatalidade, portanto, da sexualidade
acredito que alguns se destabacariam, convocando gigantescos/violentos sabás
para celebrar a morte da sociedade na euforia dos rituais de roupas e gestos
N.B.: a esperança de uma transparência geral e sem ruídos está perdida para sempre

esqueço, assim, a minha miserável condição humana
sinto-me nobre e grande como um morto como um pobre
que nenhum tesouro acha digno de suas mãos vazias
a vida, parada e recolhida, cria imponderáveis
gaivotas dizendo adeus aos que andam perdidos
sobre as águas do mar a chuva febril,
murmurada por lábios frios, transforma
o meu olhar numa estátua incessante

hoje não estou propriamente mais feliz,
o trânsito está difícil
na outra mente há pensamentos, vendidos como suvenires em braile, lutando para retornar à vida do aviador que não suporta a viagem crua
― o passado é um combate desigual
perdido em re-encenações, pantomimas grotescas, seriados

a convicção de realidade é o perfume do sonho, tão horizontal
como instantes de perfil
― um sonho não se observa não há propósito visual nele,
decalque, ou cópia, só desligamento e ilegibilidades
o privilégio de emigrar, a prova do estrangeiro
e outros tantos acordos com o mundo tangível, a excitação sexual do espírito participa da alucinação primitiva, modelo e molde da percepção meridiana que está nos fantasmas, revenants, paisagens desconhecidas

Paradoxo: é de olhos fechados que aprendemos a ver

isto, claro, combina com a feminilização generalizada dos produtos pela persuasão publicitária
a forma deixa de ser um álibi para significar somente a idéia de função e se extingue na contemplação beatífica de seu poderio

a mais eficaz mitologia social
muito mais assustador que um mundo animista povoado de forças vivas
é o organismo absoluto de uma realidade funcional
um mundo completamente inter-relacional
ou, como dizia o Fernandinho Beira-Mar,
tá tudo dominado.

o assombro sempre é maior que a assombração


despindo a cara velando a máscara vazando a vista talvez se veja qualquer que vista da alma a casca furada a máscara despida a roupa virada a cara a vista falsa qualquer que seja ninguém está salvo despindo a cara velando a máscara vazando a vista talvez se veja qualquer que vista da alma a casca furada a máscara despida a roupa virada a cara a vista falsa qualquer que seja ninguém está salvo

sábado, 26 de março de 2011

Palavras que nunca direi


Sou relva

onde pisa

esparramo flores

selvagens

suave perfumo


Sou água de riacho

quando roço sua pele

canto

borbulho

mole

morna


Tenho o ar do mundo

no peito

quando penso

seu nome

Subo como balão

pleno de sonhos

deito na lua

aninho-me


Ela sendo seus braços

eu onda partícula

luz

“quantum de alegria”


quarta-feira, 23 de março de 2011

Dasdoidando - parte 2


Por exemplo: para se realizar a estamparia de uma camiseta é necessário utilizar uma tinta específica (própria de silk screen) e aplicá-la sobre a tela para que, desse modo, o desenho-arte possa ser marcado na peça – essa é a prescrição do trabalho. Em diversas ocasiões, o participante que se responsabilizava pela silkagem acabava não preenchendo com tinta o desenho-arte em sua totalidade, o que gerava “falhas” na estampa. Essas supostas “falhas” não eram vistas como um erro executado pelo aplicador, mas como marcas de autenticidade, desse mesmo aplicador, na roupa que acabou de ser estampada. Esse exemplo se refere ao modo como esse mesmo trabalho se desenrola nas atividades, o que vai se constituir, ao meu ver, no objetivo principal das atividades: a produção de subjetividade. A maneira como cada um executa o trabalho revelará, simultaneamente, os desvios que são próprios da singularidade emergente. Privilegia-se, então, a produção de objetos despadronizados, em que o desvio não se consolida enquanto erro, mas como marca autêntica. Ou seja, esse eixo organizador – essa composição hierárquica dos procedimentos – deixa transbordar, constantemente, aquilo que surge do plano criativo da vida. Não há possibilidade de reprodução idêntica de um protocolo predeterminado, pois a loucura (desinstitucionalizada) manifesta-se de modo imprevisível.
Observa-se, dessa maneira, que as atividades da oficina se relacionam não somente pelos aspectos intrínsecos à produção em moda (planejamento, confecção do produto, vendagem, desfile etc.), mas por sua proposta de ampliação de sentidos de vida. Nesse sentido, a moda se constitui como um operador clínico-institucional que possibilita agregar diferentes modos de expressão, permitindo, assim, a realização de diversas experimentações.
Outro exemplo: um dos participantes tem um grande interesse pela cultura gótica. A partir disso, foi produzida uma personagem: a psigótica (a personagem Hello Kitty marcada por características góticas). A psigótica tomou corpo a partir do investimento coletivo na idéia, expressando-se através de desenhos, estampas, marcando roupas e sujeitos. O participante que desencadeou esse movimento, posteriormente, organizou uma vernissage com produções artísticas manifestas na forma de poesia, pintura e música. Isso só para ilustrar um agenciamento possível.
A partir desse exemplo citado, podemos perceber que ocorre, na Dasdoida, uma reapropriação da máquina-moda. A moda é subvertida! Não se encontra totalmente a serviço do CMI (Capitalismo Mundialmente Integrado), capturando subjetividades e produzindo modos de ser homogeneizados e homogeneizantes, em consonância com a identidade-modelo vigente. A moda operada no e pelo CMI, decodifica e recodifica as criações espontâneas, para armazená-las em seu banco de dados e introduzi-las, forçosamente, na industria cultural através dos mais vastos recursos midiáticos de que dispomos. Na Dasdoida atua-se com a desinstitucionalização da moda, produzindo, assim, não uma, mas mil modas, pois não está em jogo a vida produzida, mas a produção de vida.
Pode-se dizer que, a partir dessa concepção desinstitucionalizada da moda, está em jogo, também, um outro modo de se pensar a reabilitação psicossocial, porque a sociedade que se tem de fundo, na perspectiva que se efetua na Dasdoida, não é aquela que tolera a diferença e a inclui em seu modo de funcionamento normatizante e normatizado, mas aquela que privilegia a produção constante de diferenças no corpo social em detrimento da monotonia da repetição, das cópias idênticas. A utopia é outra!

As especificidades do trabalho e da geração de renda na Dasdoida

A Oficina experimental de moda Dasdoida era de caráter aberto, como já foi dito, o que permitia a entrada não somente de usuários do CAPS Itapeva, mas também de outras pessoas, possibilitando, dessa forma, a co-existência de objetivos e sentidos variados para a oficina.
Para alguns usuários do CAPS, por exemplo, a Dasdoida era concebida como uma oferta de geração de renda. O funcionamento da oficina, pensada dentro dessa categoria (geração de renda), estaria destinada, única e exclusivamente, à produção de renda para os seus participantes, com o intuito de incluí-los, não explorando seu trabalho, no sistema produtivo do CMI. Pois bem, possuir renda, sem dúvida, permite aos usuários obter uma maneira de realizar trocas sociais e isso, por si só, já se constitui como uma forma de inclusão. Apesar disso, a proposta da Dasdoida não se restringe à inserção de seus participantes na maquinaria capitalista, pois ela investe no trabalho de construir redes de trocas alternativas (almeja-se serem substitutivas), que não visam exclusivamente o lucro, mas a valorização de modos de expressão singulares. A Dasdoida busca, incessantemente, construir economias alternativas àquelas instituídas, isto é, capturadas pelo CMI. De acordo com uma das técnicas “a psicose, por si só, já dá muito trabalho”, por esse motivo é preciso pensar na relação dos usuários com o trabalho com cuidado, devendo estar sendo constantemente acompanhada.
As parcerias que a Dasdoida já realizou ilustram bem esse modo da oficina produzir economias. Os contatos extra-institucionais se davam a partir da convergência de interesses singulares, que se condensavam em algo que poderia ser criado (uma produção de camisetas, um desfile, uma entrevista, uma notícia etc.), não visando, necessariamente, a produção de riquezas para as partes envolvidas. Nesse sentido, o dinheiro que ficava destinado à oficina era investido na própria Dasdoida e servia para consolidar as trocas entre os parceiros, não servindo de pagamento direto aos usuários, já que não havia sobras significativas. Os usuários, engajados nessas organizações espontâneas com outros parceiros, acabavam recebendo as camisetas produzidas como forma de pagamento por sua participação.
Segundo as técnicas responsáveis, a Dasdoida se qualifica enquanto um projeto de “imaginação de renda” e não de geração. A partir da recolocação dessa questão da renda, a proposta da oficina não se limitaria à geração de renda para o usuário freqüentador, mas, na verdade, se constitui como uma forma de, juntamente com o usuário interessado, elaborar/pensar/imaginar maneiras de produzir dinheiro que façam sentido para eles, ou seja, a Dasdoida sustenta projetos singulares de imaginação, para uma posterior geração, de renda. Ou seja, a oficina abre outras portas para aqueles que necessitam obter mais renda, dando apoio para investimentos próprios, pessoais, fora do projeto.
Uma das usuárias, por exemplo, nas atividades de esquizitização, mostrou ter um grande conhecimento sobre trabalhar com tecidos. Uma de suas produções que mais se destacou foi a confecção de colares feitos com retalhos de tecidos. Tão logo houve esse reconhecimento de seu trabalho, a usuária demonstrou interesse em comercializar seus artigos produzidos. Juntamente com os outros membros que compõem a Dasdoida, foram pensadas estratégias que viabilizassem essa vontade e necessidade da usuária. Como resultado, a usuária conseguiu inserir-se em feiras artesanais de diversas localidades, assim como pode comercializar seus produtos em espaços voltados para a economia solidária e a saúde mental[1].
É possível constatar que, a partir desse modo de funcionamento, a Dasdoida consegue agregar aspectos referentes ao modelo de organização de uma oficina terapêutica e de uma oficina de geração de renda. A oficina experimental de moda, como havíamos visto, se propõem a ser um espaço facilitador de produção de subjetividade e, assim como acabamos de ver, um lugar para se projetar maneiras de se obter renda. Dessa maneira, podemos pensar que a Dasdoida manifesta um outro arranjo possível para se trabalhar na reabilitação psicossocial dos usuários da Saúde Mental. Vislumbra-se, aqui, um novo dispositivo clínico-institucional. Inclusive, no início de 2010, a Dasdoida estabeleceu uma parceria, com os alunos da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal de Assis, com o intuito de proporcionar um certo tipo de incubação de oficinas experimentais de moda para a Saúde Mental.
Vamos voltar, agora, a esmiuçar um pouco mais a questão da renda. Os projetos de geração trabalham na confecção de produtos, que entram em certos circuitos econômicos, que a partir de suas exigências mercadológicas, muitas vezes, acabam determinando a “cara”, a forma final do produto. Vemos, dessa maneira, uma inserção clara na lógica do mercado, que pode operar, dentro dos projetos de geração de renda da Saúde Mental, como um fator que serializa a produção, contendo, desse modo, os desvios. Apesar de não estarmos lidando com produtos industrializados, mas com produtos artesanais, a produção acaba sendo comprometida por um modo de se executar o trabalho que visa o mercado e não os sujeitos envolvidos no processo, padronizando, dessa forma, a própria produção artesanal. Muitas vezes, em projetos de geração de renda, pode-se observar que o próprio técnico ou oficineiro, responsável pelas atividades, privilegia uma mera imitação do modelo prescrito, fazendo com que o desvio se constitua como erro ao padrão.
Com o intuito de combater essa padronização patológica do trabalho, a Dasdoida, em sua produção, coloca-se como um espaço aberto a todo e qualquer tipo de suposto erro. No processo de silkagem, como já foi exemplificado, durante o momento de transposição da arte da tela para a roupa, pode ocorrer algum borramento, respingo de tinta, apagamento da estampa, disposição não centralizada etc. Esses desvios, longe de serem condenados ou punidos, muitas vezes são valorizados pelo próprio efeito de diferenciação que eles geram na roupa e nos sujeitos que acompanham ou realizam a atividade. Os participantes são apresentados à técnica de silkagem por alguém mais experiente, mas como essa técnica será utilizada, além de ser uma incógnita, é o que permite a emergência da subjetividade. Portanto, não se trata de um regime tecnocrático, mas de uma organização que desorganiza a todo instante e que (re)inventa técnicas.

[1] Participou, por exemplo, da III Feira de Saúde Mental e Economia Solidária, que ocorreu no dia 29 de maio de 2010, na Escola de Enfermagem da USP.
Artigo de Bruno Henrique Bengel de Paula

Dasdoidando - parte 1


Dasdoida: uma experiência em constante mutação[1]

A oficina experimental de moda Dasdoida é um dispositivo clínico-ético-estético-político que, até pouco tempo, estava consolidado no CAPS Prof. Luiz Cerqueira da Rocha ou, como é mais conhecido, o CAPS Itapeva. A Dasdoida apresenta-se formatada – veremos como, mais adiante – estruturalmente desde 2008. A oficina organizava-se, minimamente, em torno de atividades semanais, regulares, que ocorriam às segundas e quintas-feiras. Devido ao seu caráter aberto a participação dos usuários nas atividades se dava de modo livre, assim como ficava permitida a presença de participantes não-pacientes do CAPS. Esse tipo de arranjo possibilita a construção de um espaço facilitador de encontros, sendo esses marcados, não pela identidade, mas, sim, pela diferença. Essa característica da oficina acabava produzindo diversos modos de comprometimento com as atividades, ou seja, proporcionava engajamentos singulares. Alguns participantes, por exemplo, freqüentavam ambos os espaços de oficina. Outros optavam por uma ou por outra atividade. Há, ainda, aqueles que simplesmente “esbarravam” na Dasdoida, durante suas andanças (perambulações errantes) pelo CAPS. Existiam, também, os que surgiam somente nos momentos de desfile – do qual falaremos mais adiante –, enfim, essas entre outras inúmeras possibilidades de participação. Para citar um exemplo de encontro inusitado com a Dasdoida, recorro a um depoimento, na verdade a um recorte de um poético texto, publicado em um blog[2] por um dos voluntários da oficina com quem me deparei naquela época:

Falando em gente boa, deixei pro final minha paixão atual: Por acaso entrei no "casarão" da Paulista num domingo e conheci Ronaldo [voluntário]; estava expondo algumas coisas da griffe "dasdoida"; conversamos um bocado e acabei me motivando a ir na semana seguinte ao Caps-Itapeva para ver de perto como funcionava tal oficina e não deixei de ir mais. Aí conheci uma das responsáveis: Dra. Júlia Catunda - amor à primeira vista. Que figura, que pessoa, que profissional... Conversamos pouco, mas como me entende! Não é minha médica, sendo. (...) Minhas idas por lá e aos eventos (ontem à tarde, descemos vestidos com "parangolés" a Teodoro Sampaio até a Praça Benedito Calixto para receber um prêmio – na próxima quarta, pretendo estar com eles em Embu) têm sido mais terapêuticos para mim do que todas as terapias que já fiz. Sem comentar nos outros agora, para não entediar. Só citarei Márcia Pompermayer, linda terapeuta ocupacional; co-reponsável pela oficina; e outras figurinhas carimbadas; que ainda não diferenciei se são usuários ou voluntários (...).

Voltemos agora à caracterização das atividades semanais da oficina. Às segundas-feiras ocorria a atividade de esquizitização, uma modalidade de customização que privilegia a produção de desvios e não a produção de cópias dos instituídos sociais, dessa forma, “há uma valorização da representação do sintoma”, como se refere um dos voluntários da Dasdoida com relação ao potencial clínico-criativo da atividade. Às quintas, desenvolvia-se a atividade de silkagem, que consistia no design de telas (planejamento, desenho e confecção) e na estamparia de peças de roupa. Vale ressaltar que os objetos produzidos circulavam por ambas as atividades, sendo investidos/desejados por mais de uma pessoa. Esses produtos elaborados pelas dasdoidas (participantes) acabam tornando-se “objetos de moda”, pois podem servir como meio de divulgação da marca, sendo passíveis de intervenções vídeo e fotográficas; como roupas/modos de expressão que vestem os corpos dos modelos performáticos; como itens de troca ou vendagem que investem em uma forma de trabalho não-exploratória.
Além das atividades que se desenrolavam nas dependências do CAPS, uma outra atividade, não menos importante, também ocorria, periodicamente, em diversos outros locais: o desfile. Essa atividade, que ocorria sazonalmente, faz parte da “grade” da Dasdoida, tendo uma grande importância terapêutica e uma imensa relevância social. Além de ser um meio de divulgação da marca Dasdoida, o desfile autoriza às pessoas implicadas – usuários, técnicos, voluntários ou simpatizantes – protagonizarem momentos de pura manifestação artística, de devires, nos quais há uma ruptura com as repetições sociais rígidas e uma ascensão das singularidades. Essa “clínica a céu aberto”, como se refere uma das técnicas da Dasdoida, também possibilita a articulação com outros projetos sociais que não estão somente ligados à Saúde Mental, permitindo, assim, que a diferença se multiplique nos mais diversos segmentos/âmbitos da sociedade e, conseqüentemente, envolvendo outros atores sociais. Portanto, pode-se pensar o desfile como uma estratégia clínico-política que permite a construção de laços sociais de seus participantes com o entorno, possibilitando à ampliação de suas redes de pertencimento e garantindo, dessa forma, o exercício, a promoção, da reabilitação psicossocial.

Os desvios e a potência da moda desinstitucionalizada

A partir dessa breve descrição, podemos delinear o funcionamento global do dispositivo-Dasdoida e como ele operava tanto no interior do CAPS, como na comunidade. Pode-se dizer que a Dasdoida se constitui enquanto “corpo não fragmentado” que serve àqueles que vivenciam, na psicose, um dilaceramento total do corpo. A Dasdoida acaba construindo essa unidade corpórea através da organização das etapas de trabalho de modo prescrito, que tem por finalidade orientar os participantes no que diz respeito ao objetivo aparente das atividades – que se refere à confecção dos produtos. Esse fio condutor, que norteia o trabalho nas oficinas, é importante, pois possibilita um direcionamento comum aos participantes, permitindo, assim, a construção coletiva e, ao mesmo tempo, singular de cada sujeito, já que cada um, transitando nessa linha, produz desvios que lhe são próprios. Pode-se dizer que uma direção comum, reconhecível, é traçada, mas os caminhos que são trilhados se dão nos mais diversos sentidos, embora sempre haja um cruzamento com o eixo-referência que é coletivamente pactuado.
(continua)

[1] Os encontros meus com a Dasdoida se deram ao longo de todo o ano de 2010, portanto, o artigo refere-se às experimentações que pude fazer parte durante esse período, logo o tempo verbal encontra-se no pretérito.
[2] Disponível em: . Acesso em: 22 de março de 2011.
Artigo de Bruno Henrique Bengel de Paula

quarta-feira, 16 de março de 2011

NEO-BARROCO (MICROENSAIOHÍBRIDO)


Além da ideia de excesso e ultraje, provável aproximação literária do grego húbris, ibrida - hoje, híbrida - já caiu nas graças de um monge de nome Gregor ao estudar petit-pois, palavra gastronômica, algo entre a textura de um Bispo do Rosário e Dorléac (para quem não sabe: Catherine Deneuve).
E assim recheada de sonoridades próprias das frescuras burguesas adotadas na modernidade, a ervilha-delírio-erógena tornou-se instrumento do que definiam como ciência, petit-pois para os letrados em línguas estrangeiras, devaneio preferido de confessos pós-doutores com seus neurônios de penitentes.
Mais para testículos que para sementes do monge, por aqui surgiu o Bispo com suas semeaduras de rotas e labirintos caóticos, erotismo-fiandeira de linhas e badulaques, mais para o pé-torno de um Aleijadinho, O Passado em Marienbad de Resnais e Grillet, a orelha perdida de Van Gogh ou um rei perdido no deserto.
A sífilis de Nietzsche, o sinistro de Serres e a irritação de Bachelard com Descartes foram ignorados pelo excesso, ultraje e, talvez, violência, que sexo oral era o sujeito vesgo de cama, e anjos deveriam esconder a nudez para não serem objeto de sexo solitário de fardados de negro.
E assim Acossados em Cidades e Império dos Sonhos, Calígula e Eros: Bergman, Wenders, Azu, Kurosawa...
Tupiniquins, além de Bispo: Lourdes Cançado, Clarice Lispector, Plínio Marcos, as Dulcinéias deambulantes, as dasdoidas, a Cooperifa, que devaneiam entre vulvas rapadas, peles tatuadas, batom nos grandes lábios, diante de um Sol vomitando ondas eletromagnéticas, Galliano e Kadhafi.
Tudo é mega, fim da modernidade insana, que Mamonas Assassinas é chuleio em Chapéu Mexicano, perfurações em abissais, geografia fantasma, deserto sem matéria, trajes neo-barrocos, pé-torto sem necrose da cabeça do fêmur.

Carlos Pessoa Rosa

(Carlos Pessoa Rosa publicou “Destinos de Vidro”, Contos, Ed. Meiotom, 1992; “A cor e a textura de uma folha de papel em branco”, prêmio CEPE/UBE, Editora CEPE, 1998; “Histórias que o povo conta, mas de meu jeito de contar” e “Sobre o nome dado”, Coletivo Dulcinéia Catadora, 2008; Prêmio Literatura para Todos, novela, 2010.)

domingo, 13 de março de 2011

Equilibrista



Você tirou
Minha casca
Minhas garras

Difícil seguir
indefesa
com este coração
no peito
pulsando passo
e descompasso
num ritmo
que me põe a
tremer

Trôpega
danço desajeitada

Balanço

Estou nas estrelas
e no chão

sábado, 12 de março de 2011

a outra



A entrevista em que a viu pela primeira vez era uma dessas reportagens que as televisões fazem habitualmente sobre temas do cotidiano ― seria o aumento das tarifas de ônibus e metrô? ―; o formato é conhecido: imagens do, ou da, jornalista falando, o mundaréu de indistintos cidadãos ao fundo entrando e saindo de coletivos, corta para uma fala editada do secretário de transportes, declarações de algum dirigente sindical, finalizando com os indefectíveis testemunhos de “populares”. Foi neste último bloco da reportagem, inteiramente por acaso, que fez a descoberta mais importante da sua vida até então. Não tinha como duvidar do que via e ouvia, ao vivo.

A emoção que a tomou mesclava susto e alívio, aquela embaralhada sensação de libertação que sentimos quando alguma coisa por muito tempo esperada/temida finalmente acontece. Daí em diante não sossegou mais, anotou o nome da repórter e o horário do telejornal. Só não conseguia era lembrar a birosca do nome da mulher ― poderia ser distinto, como Solange e Darcy, bem mais difícil é que fosse raro como Núbia ou Edwiges, fechava caso contra carnes-de-vaca do tipo Maria Aparecida, Marli, Regina Célia. Não teve Cristo na emissora que a impedisse de falar com a entrevistadora, a quem convenceu tratar-se de mais um caso de parentes afastados.

Prometeu que a avisaria para fazer um daqueles reencontros lacrimosos que tanto servem aos programas de auditório como aos jornalísticos em dias de pauta fraca. Conseguiu acesso à autorização que as pessoas entrevistadas pela TV assinam para que suas imagens sejam usadas; tinha agora o nome e o R.G., pouca coisa, mas já era um começo. Na verdade, se houvesse pensado um pouco, teria percebido a compulsão que a arrastou em cada passo posterior a estes fatos, como etapas inevitáveis rumo ao desfecho final. Na manhã seguinte foi à Santa Ifigênia comprar um CD-ROM que, por meros vinte reais, permitiu-lhe espiar as declarações do Imposto de Renda de todos os seus concidadãos.

Na posse das novas peças do quebra-cabeças (renda, nome completo, CPF, RG e endereço), deu o passo mais ousado: resolveu submergir e atravessar para a clandestinidade, onde teria os movimentos facilitados pelo anonimato. Abandonou a vida que levava sem titubear. Não foi uma tarefa simples, há sempre muitas coisas a explicar e gente a avisar: família, amigos, parceiros comerciais, etc. Percebeu o quão desavisadamente somos controlados em nossa supostamente livre individualidade; ninguém desaparece assim, do nada, sem levantar suspeitas. Pretextou uma viagem sabática ao exterior cujo diário seria um mural eletrônico de postais virtuais ― dois palitos montar fotos suas com monumentos ao fundo e textos engraçadinhos.

Arranjar uma cabeça-de-porco foi igualmente simples: aluguel adiantado, dinheiro vivo, nada de documentos, discrição e uma senhoria pouco perguntadeira; assim, ingressou na incerta fauna do Centrão, o centro velho da cidade. Deixava para trás uma carreira apagada de atriz em que, no entanto, se firmara como apresentadora de eventos e premiações, segmento no qual tinha se tornado uma queridinha dos diretores de casting. A independência financeira, conquistada sem que tivesse feito a si muitas perguntas, mostrava toda a serventia agora que se dedicava em período integral a investigar a vida de outra pessoa. Com o parceiro de apresentações internado numa rehab para drogados e bebuns, todos acharam perfeitamente natural que desse um tempo. Reciclagem.

A conversa transcorria em um apertado cubículo ao final do corredor à direita, quarto andar de um treme-treme na Líbero Badaró; a espelunca, situada num prédio que já devia ter conhecido seus dias de grandeza, atestada pela fachada em travertino e o elevador de porta pantográfica, resumia-se a três divisórias de compensado, um balcão de vidro exibindo placas de automóveis e duas cadeiras de estofado sintético preto. Em meio a uma miscelânea de comerciantes de ouro, lojinhas de games e DVDs piratas que populavam o edifício, a placa da porta anunciava os sóbrios serviços de despachante: limpava pontos na carteira e nomes no Serasa; na parede, um calendário com o mês atrasado e, no canto da sala, um vaso de plástico cor de telha com espadas-de-são-jorge.

― Iguais como duas gotas d’água. Repare, a perfeição está nas minúcias: os frisos, o carimbo, a contraluz, a granulação, os detalhes em 3D, chega ao detalhe da gramatura do papel... moça, tenha certeza, estas aqui são as Lamborghinis das réplicas, valem cada centavo que se paga por elas! Nós ainda lhe oferecemos um plus a mais, o número do documento é quente e sai limpinho em qualquer consulta no IIRGD...

― Erre-gê o quê? ― o homenzinho, que devia regular pela idade dela, tinha o bigode e os dedos irremediavelmente manchados pela nicotina; tratá-la por “moça” só se podia explicar pela tintura de vermelho intenso que aplicara aos cabelos recém cortados.

― Não, é i-i-erre-gê-dê. Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt, o órgão que expede os atestado de antecedentes criminais; qualquer um pode requerer a partir do número do RG. Aí é que está o nosso diferencial: toda a documentação que fornecemos vem virgem como um bebê.

― Hmm, aqui diz que eu sou do Maranhão...

― Pois é, a gente vai onde tá mais fácil, onde tem os esquemas; só trabalhamos com papelada branquinha, e no Maranhão, bem... aquilo lá é uma zona, lá ninguém verifica é nada, lavrou em qualquer cartório, um abraço, vira oficial. O sistema não é unificado no país, acredita?

― Ô, se acredito... ― naquele instante ela teve o vislumbre da próxima parte do plano; reexaminou as carteirinhas uma por uma, pela primeira vez ia interpretar uma personagem com documentos “de verdade”.

― Faço desconto se for o pacote completo, ok?... Dá até pra pagar em vezes no cartão, bom, né?, ficou uma tetéia o trabalho no seu passaporte, entrada na Europa pelo aeroporto de Barajas, olha só, data e hora, e ali, ó, é de Bali daqui a dois meses... na outra pasta tem sua nova vida: RG, CIC, CNH, PIS e PASEP, tudinho. Muita gente faz isso hoje, às vezes tem até mais de um, chamamos de registro “anfitrião”; do jeito que a coisa anda, é mais garantido fazer, a gente nunca sabe quando vai ter problemas na identidade principal.

Um dos mais importantes facilitadores é que o patrimônio dela possuía alta liquidez, encontrando-se aplicado majoritariamente em três bancos de investimento. Para estas instituições, ela não só não havia viajado, como fazia freqüentes retiradas e transferências para uma conta de pessoa física que até então nunca constara em seus extratos ― que, aliás, junto com as contas de celular e cartão de crédito, redirecionara para o e-mail de modo a fazer todos os pagamentos via internet. Fingir uma temporada no exterior, continuando a morar e se locomover na mesma cidade, é façanha que só se explica numa megalópole; porém, tudo isto apenas esclarece o como ocorreu a transformação, apenas tangenciando o busílis, ou seja, o porquê do processo.

O fato é que não tinha topado com alguém que se parecia com ela num sentido convencional, algo assim como uma sósia que se encontra por acaso na rua ou numa festa; aquela moça simplesmente era ela vivendo na pele de outra pessoa! Essa mulher ― que agora seguia pelas ruas, pelos cafés e restaurantes, a quem acompanhava secretamente nas constantes viagens a trabalho, com quem ia às baladas e até mesmo visitar parentes no interior ―, de alguma maneira que lhe escapava ao entendimento, era absolutamente idêntica a ela. Não era semelhança ou parecença, mas ipseidade, um sentimento intraduzível para além da primeira pessoa do singular; a voz, os tiques, o gesto, as mesmas jequices, as mesmas pausas e vacilações. Duas gotas d’água.

Talvez fosse uma forma de arrumar a madeixa de cabelo, escorregando a hesitante mão boba para o lóbulo da orelha, enquanto sorria desavontade ― de imediato, soube que ela mentira para aparecer na TV: gerente de uma grande empresa, ela nunca usava transporte público. Lembrou desta cena inicial, por alguma razão enigmática, durante a conversa com R4z0r, uma lenda viva entre os hacktivistas; na cafeteria semivazia, com o notebook do rapaz sobre a mesa de fórmica riscada, procurava delinear-lhe as feições escondidas atrás de enormes óculos escuros e enterradas sob um boné dos Cardinals com a pala furada de piercings.

― ...certo, o que você quer não pode ser resolvido pelo ultravnc.exe, ia precisar que a pessoa baixasse e executasse o programa voluntariamente, o que não é o caso, precisa pegar um rastreador de IP, você sabe que estará hackeando o outro usuário, que vai se tornar um IP atacante não sabe?, então, alguns firewalls do Zone Alarm Pro podem te detectar. No próprio windows há o comando externo tracert que...?

― Posso ser processada por isso? ― era um sujeito curioso o tal R4z0r, pensou, procurado no mundo inteiro e no entanto incapaz de ir além de uma área de poucos quarteirões no bairro onde nascera. Agorafobia, diziam.

― Sempre pode dar merda, na rede sempre ficam rastros, os logs; cada computador só se liga à rede mundial por um número IP que é atribuído automaticamente, uma identidade de quatro octetos, olha o nosso agora: 192.168.171.299; a primeira metade designa as redes que nos conectam e os dois últimos identificam o host, ou seja, este meu computador aqui; entrou na web, pá, um número. Por isso nós podemos rastrear o IP dessa pessoa que você quer, daí mandamos um spyware para o PC dela, gosta do Messenger Plus?, ele dá as teclas digitadas, os movimentos do mouse, os sites visitados, as senhas, as fotos, vídeos, músicas, as pesquisas... melhor que ser amigo na rede social, não?

O próximo encontro foi mais difícil de chegar; o lugar era no final (!) da Estrada do M’Boi Mirim, bem depois de onde o Judas perdeu as botas, virando à esquerda. Por sorte era de dia, pois, a partir de certa altura, o motorista de táxi recusou-se a continuar e só a muito custo é que a deixou no ponto do lotação que a levou ao quilômetro da entradinha. Andou mais um troço de caminho pelo meio do mato até chegar a um portão com o número pintado a graxa no chapisco do muro sem reboco. O silêncio dali fazia com que a cidade parecesse uma entidade distante; dois pit bulls surgiram no terreno contornando um casebre na frente do terreno e ficaram rosnando para ela atrás das barras do portão de ferro. Lá dos fundos gritaram para que entrasse, antes que pudesse responder, um silvo agudo soou e os cães voltaram pelo lado oposto de onde tinham surgido.

― Belê, hmm pode sentar aí, os pneu é firmeza, vou contar a grana, só um momentinho... combinado não é caro, né? ― Peruquinha deixava os interlocutores na dúvida se era um homem muito feio, ou uma mulher que a natureza tinha escolhido para sacanear. Chefia do desmanche de carros, não ostentava um único pêlo no corpo disformemente obeso; o adereço que fazia jus ao apelido era um ignóbil chinó que mais parecia um Black Power de carnaval.

― Ok, ah, a automática tá no porta-luvas do carro, e fica sussa: a placa é clonada, mas se os homens te parar é raro eles conferir o chassi...

O silêncio daquele lugar continuava assombrá-la, onde andariam os pit bulls? Alegou que comprava a arma para defesa.

― O caralho, fia, joga merda nos meus olhos não, tu vai apagar alguém, que eu sei. Não dá outra, é sempre nisso que essas paradas acabam. Sabe por que é que nego tira a roupa um do outro antes de trepar e depois cada um se veste sozinho? Porque depois que você tá fudido ninguém mais quer te ajudar! Hahaha! Relaxa, mina, o que você tem é que pegar na M’Boi à direita e nunca mais voltar, se tu rodar e abrir o bico sobre isto aqui, eu te acho na cadeia, valeu?

Ele/ela sacara o essencial, mas faltara a sutileza, já que, a rigor, ia se matar; o seu antigo eu ia voltar de viagem e morrer durante um assalto, isto é, colocaria o cadáver da outra na cena do crime vestindo as suas roupas e com os seus documentos na bolsa. Daí em diante assumiria plenamente a identidade que conhecia nos mais íntimos detalhes, ninguém perceberia a diferença. Na falta de um tempero passional para atiçar a mídia, e tendo a sorte de haver outro assunto de ocasião mais suculento, o caso iria engordar as estatísticas de latrocínio despercebidamente. Sentia um pouco, mas não demais, pelo sofrimento que causaria à família; mas a compensação da herança que lhes deixava seria sopa no mel para os irmãos e o pai viúvo.

Ainda não tinha chegado à Santo Amaro quando se deu conta de uma pequena falha no estratagema: o passaporte! O passaporte é o único documento que vincula um dado antropométrico, as digitais, às certidões cartoriais e à foto ― impressões dos cinco dedos da mão direita ficam armazenados no sistema da polícia federal, o que lhe impediria a renovação. Ficaria presa dentro das fronteiras do Mercosul, gaiola enorme é certo, mas o caso é que havia um buraco na coisa toda.


(plágiomenagem a José Saramago)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Poemas de Renata Macedo Capatto

Estranho sedutor

Seu jeito de falar sem meios de chegar

revela um especialista em penetrar mundos.

Exala perfume inseguro, cheiro de homem

entranhado e incólume, sentida presença no ar.

Doce arranjo: olho... fala... perfume...

Num olhar negro, angustiado e livre.

Sedução menina em busca de um não sei que

vindo não se sabe de onde, mas que quer chegar

Calor forte que transcende e invade

numa penetração erótica a não se consumar.

Êxtase prolongamento interminável.

Consumida sedução paradoxal a sua

como se ao chegar, saísse sem dizer nada

como se ao fim, não tivesse tempo pra acabar

como numa estratégia incontida de se saber estar.

Sentimento escondido mas no fundo demonstrado

completando vazios de medo.

Faz tipo garoto certo num poema sujo

mostra na aparência, sua essência

sedutora e incondicional

sutil, mas muito decidida

pueril, mas obsceno ao pensar

incontida na forma de revelação

Estranha sedução a sua de anestesiar.

Ourinhos, 09\09\10 - 21:45 h.

Renata Macedo Capatto

Ausência de mim

Vazio...

Brisa quente lá fora.

Vazio...

Corredor frio dentro.

Vazio...

Dentro de mim... quente? Gelado?

Sinto-me sem temperatura agora.

Não sei se é poético, mas é verdadeiro.

Renata Macedo Capatto Dezembro, 2010

Fases sem sentido...

Perguntas sem respostas.

Saídas sem caminho.

Amargo sentimento

De hoje. De sempre.

Confusão mental no papel

Registro de fases, na cabeça

Lua! Lua!? Lua. Lua...

Não sou companheira.

Algum dia as respostas virão.

Virão? Virão! Talvez no verão...

Não sei.

Renata Macedo Capatto, Novembro de 2010.

sábado, 5 de março de 2011

POEMAS DE DAVID CAPELENGUELA

1

SINAL DE SOM

A chuva costura-se

Sentindo a estepe incomensurável

Dos lábios

Da paisagem

Por dentro

Traz

Por entre véu e vento

A agonia contagiante

Dos relâmpagos

Abraça

O tam-tam do grito rouco

E na encruzilhada dos corais

Consola-se continuamente

2

A DOR

A dor abraça-me ao vento

Dói

Roí

Morre-me no arregaço

E adormece

O ventre

Nos lábios saborosos da lágrima

Em teu chão de luz tangente

Devolve-me

O gesto vago

Contra um louco

Rouco grito

Volátil

Num destroço

Arde-me em combustão

A dor…

3

BRISA BRANCA

Passa fina

Lisa

Refinada

E desce a calçada

Cansada

De

tan

to

gemer ao vento

Linda rapariga

De dócil gesto

Por um instante

gestante

Passa pano fino

frio

no ven

tre

traz

filho

do frio

De pai plural


Naturalizado no Namibe, onde passou infância e adolescência, David Capelenguela nasceu na Província da Huíla. É Jornalista de Profissão. Membro da União dos Escritores Angolanos e membro fundador da Brigada Jovem de Literatura de Angola da Província Namibe. É membro do CEED-Centro de estudos da Educação e Desenvolvimento (Diocese de Ondjica -Cunene).

Publicou:

Pela editorial Nzila:

· Acordanua, poesia, 2009

· Vozes Ambíguas”, poesia, 2004

Pela BJLA do Namibe:

  • Rugir do Crivo, poesia, 1999
  • O Enigma da Welwitschia, poesia, 1997
  • Planta da Sede, poesia, 1989

Fez parte das Antologias poéticas da BJLA da Huíla, “O Sabor pegadiço das impressões labiais”, em 2003 e da BJLA do Namibe, “ Dunas de Kalahari, editada em Janeiro de 2008