Meti a louca. Já que não tinha mais nada a perder, resolvi ir além do que ele me pedia; estava disposta a entregar tudo, até o que não precisava. Só queria sair viva daquela pua e, se possível, com a minha pele intacta. Acho que fiquei tão transtornada naquele momento que o ladrão se acalmou por comparação.
Peguei as minhas malas Silver Integral, as mais mais: leves, resistentes e metalizadas; fui pondo dentro jóias, objetos de valor (alguns ele nem desconfiava), laptops, até que, finalmente, chegamos à entrada da caverna do Ali Babá.
“Espera um pouco, a senha do cofre está aí no Ipad, é, aí, nesse arquivo... swordfish, vai lendo pra mim...”, entramos com a seqüência de números e pude ver os olhos dele desenvesgando por um breve segundo.
Não era para menos: lá dentro, remanescentes da partilha, havia maços de dólares, euros, reais e a jóia da coroa... barras de ouro puro. Vinte e quatro quilates, pureza 999, cem gramas cada lingote ― o bandido agora parecia uma criança vendo o trenó do Papai Noel descendo na porta da sua casa.
“Deixa comigo dona, olha isso!...”, ele ficou, pela primeira vez, de costas para mim enquanto carregava as malas. Afastei-me ― sei o quanto a idéia é ridícula ― para não correr o risco de que ouvisse o meu pensamento. Àquela altura já tinha perdido toda a capacidade de resistir, ou mesmo partir para o ataque; aceitei resignada, rezando para que não me matasse na saída por ter lhe visto o rosto.
“Vou fechar o capô do carro, tó: o controle do portão e as chaves...”, achei que tudo acabava ali, mas me enganei mais uma vez; restava ainda uma última humilhação.
“Então tia, vou te amarrar e passar uma fita isolante na sua boca. Não posso sair daqui com você gritando na minha cola, certo? Viu só?, colaborando, não pega nada pro teu lado... obrigado por tudo.”
“Obrigada eu.”
E se foi, levando a Mercedes. Fiquei trancada no escritório talvez uns quarenta minutos, até ouvir a campainha tocar. Tocou, tocou e nada. Os meus grunhidos não chegavam até à porta, era inútil. Preparei-me para passar umas horas naquela posição incômoda, com as cordas de varal machucando meus pulsos e pernas. Então ouvi a porta se abrindo.
Valha-me São Judas Tadeu, a Zefa! Escutei-a andando pela casa, chamando por mim; devia estar achando esquisita a bagunça que via, as coisas quebradas pelo chão da sala. Até que me ouviu ganindo e chutando a parede do escritório e veio me soltar.
“Virgem santa! Que é que aconteceu aqui, machucaram a senhora?”
“Ai Zefa, foi Deus que te enviou!”
“Pois é, quando cheguei na estação de trem é que vi que não tinha devolvido a minha cópia da chave para a senhora e resolvi voltar.”
Tomei dois tarja-preta da farmacinha caseira e ligamos para a polícia. Pouco antes dos investigadores chegarem, assistíamos a um desses programas televisivos de notícias mundo-cão quando o locutor, exultante, começou a gritar com a notícia ao vivo:
“Comandante Hamilton, dá um rasante pra gente ver melhor... tá lá, o carro importado, roubado... o acidente foi feio, há relatos de que o motorista morreu na hora, daqui podemos ver a equipe do CET, o resgate chegando, o SAMU... a informação que nos chega é que se tratava de um assaltante de residências, chamado Djeimes Din Maciel... dá uma olhada, gente, não sobrou nada do carro, petê, um arregaço... o marginal já era, esse não faz falta nenhuma, um a menos!”
Nessas horas a gente percebe o quanto vale gastar um pouco mais numa boa mala: ultra-resistente, alumínio e policarbonato. A merça tava no seguro mesmo... pobre moço, nem reparou que o pedal do freio estava baixo demais; acho que esqueceu o que eu tinha lhe dito sobre sangrar o burrinho. Não acredito que ninguém vá se preocupar em verificar vazamentos no cilindro-mestre. Preciso ser justa, Teteu, até que aprendi algumas coisas úteis com você.
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