domingo, 4 de dezembro de 2011

Poranduba (parte final)

Instalada no brega, Joana, também apelidada a Caninana, ganhou o respeito e a consideração das outras marafonas ― em pouco tempo tornou-se uma vedete, a ‘prinspa’ do puteiro ―, logrando chamar a atenção dos maiorais e mandachuvas da política local. E assim foi que Joana, que já fora Maria, entrou na vida do senador Tucuxi. A modo de dizer, caiu-lhe no goto, em pouco tempo o senador não procurava outra que não fosse ela, e no bordel vale o ditado nortista: quem não vareia, viceia.
Muito quis o tribuno parauara tirá-la da vida, mas não houve meio ou razão que a convencesse; embora tenha consentido que o bebê fosse criado na família dele. Ironia das ironias: o famigerado Tucuxi, femeeiro incorrigível, putanheiro de quatro costados, que havia filhado, dizia-se, um cento de mulheres, não tinha herdeiros legítimos ― a esposa de direito era maninha. Joana ajuizou que melhor seria o menino criado em casa de família do que em meretrício, além do mais, não ajuda a um cabra descobrir um belo dia que é um belo de um filho da puta.
Vá a gente entender as voltas que a vida dá, e junto com elas, as que dá o coração.
Honorato entregou-se à embriaguez selvagem do catimbó, desiludido do poder do Altíssimo. Passou a freqüentar um terreiro todas as noites, trocou o incenso pelo aroma enjoativo da liamba e os hinos sacros pela música dos miritis sob o olhar fixo da coruja empoleirada no jupatizeiro; presenciava entorpecido os ritos, os passes e o aviamento das receitas infernais: banha de urubu, purgante de mamona, azeite-doce, tripa de paca, uma colher de chifre de veado moído, noz-moscada, clara de ovo e café torrado sem açúcar. Armava a rede junto do tabocal para esperar os sonhos em que a banha de urubu se misturava com a liamba e a música, os cabelos e os seios espocados de Maria; pesadelos dos quais sempre acordava gritando como se estivesse a se afogar no rio.
Até que conheceu o alferes. Estava ele uma feita nas águas do grande Tocantins, quando chegou à cidade de Cametá; tendo passado a noite com o soldado, fez-lhe o costumeiro pedido. O miliciano não recuou, foi à beira do rio, achou o monstro e procedeu como mandado: deitou-lhe leite na boca, desceu-lhe o cutelo até sangrar e... Honorato desencantou. Por amor e gratidão ao alferes de Cametá, ele sentou praça no corpo policial do Pará e entrou a servir sob nova farda ao novo chamamento da vocação.

Norato e o alferes se tornaram unha e carne, corda e caçamba. Certo dia o batalhão em que serviam foi convocado a Santarém; cumprida a missão, o comandante achou por bem soltar o freio da guarnição e concedeu-lhes folga. Logo alguém sugeriu que fossem putear (poucas coisas animam mais a soldadesca) e, antes de um piscar de olhos, estavam todos no bairro de Jaderlândia na maior farra. E, como a sorte é cega e quando bate, prega, a Honorato coube a Caninana.
Ela soube logo quem tinha pela frente, ele sentiu-se incomodado, mas não atinava com quê. Joana despiu-se com fingido profissionalismo, Norato foi tirando os coturnos lentamente, o ar de zanga, quizilento.
― Que diacho de marca é essa em tuas costas?
― Nada não, é a inicial do meu homem...
― Ele não liga que tu seja... quer dizer, trabalhe aqui?...
― Ah, não, faz tempo que ele deixou isso pra lá... agora soldado, vou colocar em você o uniforme desta caserna: a camisinha...
Pegou-a por trás e começou o nheco-nheco, prestes a gozar, arrancou o preservativo e ejaculou bem na tatuagem gritando:
― Esta é a minha homenagem ao teu homem, vagabunda!
Não voltariam a se encontrar.

O menino, filho de ambos, cresceu, fez carreira apadrinhado pelo senador Tucuxi e se tornou um nome importante na vida pública daquela região imensa, rica e sem lei. A tal ponto afluente e influente ficou, que hoje é um dos que advogam a divisão do estado do Pará em três novas unidades da federação: brevemente um plebiscito decidirá se teremos os estados de Tapajós, Pará e Carajás.
Com ou sem razão, dizem os parauaras: a divisão do Grão-Pará é como a carne da pá, que não é boa nem má; mas, se o filho do Cobra-Norato envolvido está, coisa turva ou marosca aí há!
Há de o raro leitor me desculpar por narrar este derradeiro milagre sem declinar o nome do santo (!?), mas é que no país da boiúna, e em rio onde há piranha, o jacaré nada de costas...


3 comentários:

Mery disse...

Maravilhoso esse conto "verdade"; * *gostei demais da forma como colocaste esta história, tão real*) E que final!
Não é necessário dar nome aos bois(?)
as coisas* No Brasil são assim mesmo, "nadam de costas", infelizmente.
Esse conto daria uma série... perfeito; a realidade de milhares de "brasileiras: as putas e os filhos delas; vida que segue/
vim te ler e saio daqui satisfeita com esse conto baseado na vida real.
Beijuss, Mery*

filipe com i disse...

tks Mery, pelo que viste e sentiste.

Fanzine Episódio Cultural disse...

O PRIMEIRO CONTATO
Certa vez, na ânsia de concluir um trabalho escolar, cercado de publicações dos mais variados autores e temas, e sem saber por onde começar despertei-me com um clique da minha esferográfica.
Eis que, como um “Deja Vu”, deparei-me com um antigo livro de contos em péssimas condições. O papel amarelado pelo tempo, perfurado por traças, empoeirado e suas páginas mal cheirosas.

A tinta usada em sua impressão ainda mantinha um bom contraste, o que o tornava legível.

Então, no volver furtivo e detalhado de cada página, eu descobri algo novo: textos envolventes com assuntos, embora de séculos atrás, tão atuais e familiares que passavam não só a mim, mas a quem quer que os lesse (leiam) uma profunda intimidade com o autor.

Agora eu já podia empunhar aquela, cujo clique não mais soava irritante, mas frugal.

Tudo era simples, evidente e claro. Eu não precisava mais daquela pilha de publicações, pois tudo estava ali, em cada cor, som, ou lembrança. Daquela ponta esferográfica, as palavras fluíram com naturalidade e deitavam em cada pauta com a suavidade de uma pétala que pousava sobre a relva.

Eu compunha com mais idéias, indeterminado, mais livre. Não havia motivo para se preocupar com “Lapsus Linguae”... Sim era minha primeira crônica. Agora eu sabia que poderia escrever sobre qualquer coisa.

*Cassius Barra Mansa é cronista machadense

Lapus Linguae = erros de linguagem
ATRAÇÃO DOS MOLEKES

(pagode com malícia mineira)

Influenciados pelo, Exalta Samba, Revelação, o grupo se apresentou pela primeira vez em 2006 na Praça Antônio Carlos (Machado-MG), durante as comemorações do 7 de setembro.. No mesmo mês, eles abriram o show do Face Racial no salão da Dismabe, evento organizado pelo DJ Brown. O próximo passo será a gravação do primeiro CD com 12 músicas, entre elas (É hora de curti) Contatos: João ou Diogo (35) 3295-4031 (Machado-MG).

Blog: http://atracaodosmolekes.blogspot.com/