“Oi,
achei que você não vinha”.
“Por
quê? Eu sempre venho”.
“Allan,
você só aparece quando os meus pais não estão aqui...”.
“É
porque tenho medo”.
“Você
tem medo de todo mundo”, Giovanna ajeitou os lençóis e deitou de lado, voltada
pra ele.
“A
minha vida tem duas partes: uma que eu vivia num lugar pequeno e todos eram
amigos, e outra onde o mundo é um mar sem fim e todos me tratam mal”.
“As
metades pra mim são misturadas: tem um lado bom e um lado ruim em casa e na escola”.
“Eu
ia à escola antigamente... quando vivia na minha terra”.
“Agora
você não estuda mais? Eu queria não ter que ir pra escola...”.
“Melhor
ter pra onde ir, Giovanna, ficar preso é muito pior”.
“Você
é a única pessoa que me chama assim, os outros todos me chamam de Jojô”.
“Posso
te chamar de Jojô, se você quiser”.
“Não
precisa, gosto do jeito que você fala meu nome. Se você está preso, como
consegue sair pra me ver?”.
“É
o único lugar que posso ir além da prisão”.
“Já
é melhor que nada”.
“Qualquer
lugar é melhor do que este buraco onde me largaram. As pessoas deviam ser felizes aqui
fora”.
“Ninguém
pode ser muito feliz por aqui, alguém vem sempre te zoar, dizer que é proibido,
manda tirar a mão disto e daquilo”.
“Eu
nunca te peço nada, vai ver é por isso que...”.
“Por
isso que, o quê...? Allan você tem que terminar o que diz. Ou então, conta pra
mim como é que são as coisas onde você está agora”.
“Não
há nada pra fazer, nunca. A comida é ruim. Às vezes a gente pode jogar bola,
mas faz muito frio. Sabe, parece que eu tenho uma doença bem grave”.
“Você
está doente?”, Giovanna sentou-se na cama e passou a examiná-lo atentamente.
“Não
é uma doença de verdade, mas as pessoas não querem mais chegar perto dos
presos. Como se a gente fosse pegar neles uma coisa muito feia”.
“Você
tá dizendo que ninguém tem pena do que te aconteceu?”
“Tô
dizendo que as pessoas fogem daquilo que não querem lembrar, acho que quando me
vêem só enxergam a pobreza, e também a morte”.
“É
verdade. Todo mundo foge disso, a Ceiça, que trabalha aqui em casa, se benze
toda vez que ouve falar em morte”.
“Eu
só quero viver, poder voltar pra minha casa. O que mais queria era começar tudo
de novo”, sentou-se na cadeira ao lado da cama dela.
“Bom,
pelo menos você sabe quando tudo começou”.
“Sim,
eu sei quando este inferno começou, mas... não tenho a certeza de que ele vai
acabar”.
“Vai
terminar uma hora, até o azar cansa de azarar. Eu acho que quando eu for grande
tudo vai ser diferente”.
“Giovanna,
é tão bom falar com você! O mundo fica menos assustador quando estou aqui”.
“Obrigada.
Você é legal, Allan, só é diferente das outras pessoas. Uma hora vão entender
isso, não acha?”.
Um comentário:
Pensando no Delcidio e cia?
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