O
sol de Sevilha é o olho excessivo de Deus sufocando toda a terra da Andaluzia nas
suas cores escaldantes e derramadas. Jaqueline desceu na estação de metrô
Puerta de Jerez e vai a pé para o edifício Red Star, ela trabalha no décimo
sétimo andar de onde se avistam as torres do Real Alcázar, as curvas do
Guadalquivir e as magníficas agulhas góticas da Catedral de Sevilha. Aproveita
o resto de luminosidade do longo dia de verão para caminhar antes de pegar o
turno da noite.
Enquanto
se desloca sem pressa pela calle San Fernando hesita entre um capuccino no
Starbucks e um sorvete na Häagen-Dazs, as ruas cheias de turistas convidam a aproveitar
os últimos dias de férias. Decide ir direto pro trabalho sem escalas depois de
receber uma mensagem de Paco, mais uma vez ele precisava voltar mais cedo pra
casa. Ela não gosta dessa coisa de ficar sozinha nos cafés, embora prefira
trabalhar na sua estação sem muita gente por perto.
Paco
talvez gostasse de dar um passo a mais na relação deles, mas Jaqueline cortou
logo esse papo. Sexo e amizade, ponto. Trabalham juntos, já está bem bom no
quesito intimidade. Além do mais, ele é casado e qualquer alteração desse
status quo seria uma dor de cabeça quilométrica: separação, chororô,
explicações aos amigos, conversa “adulta” com a ex magoada, enfim, um festival
de invasão alheia na sua vida. Tudo que ela lutou pra manter longe de si.
Tudo
acontece sob o céu tórrido da Espanha, de modo algum colorido e duro como se
pinta, mas ensolarado e de uma claridade ofuscante ― mole e turva ―, por vezes
irreal, pois o brilho da luz e a intensidade do calor evocam a liberdade dos
sentidos, mais exatamente a umidade mole da carne. Paco é andaluz até à medula,
capaz de passar a eternidade numa tasca barulhenta cheia de amigos, papeando em
torno de gordas azeitonas besuntadas em óleo de oliva, lulas em rodelas,
fritadas de ovos, fatias de presunto e copos de Jerez até as horas da noite não
agüentarem tanta conversa.
―
Olá Jaque, chegando mais cedo pra se enfurnar na caverna?
― Salve
Juanfran. A noite está do jeito que você gosta, cheia de turistas pra azarar.
Vai lá soltar seu irresistível charme ibérico pras americanas sedentas de cor
local.
― Bom, pelo
menos temos isso: o turismo das gringas taradas. Esta cidade não acontece nada nunca,
se não fosse pelas corridas de touros e os batedores de carteiras, morríamos
todos de tédio.
― Eu acho
melhor assim, aliás, nós estamos aqui pra isso.
Especialista
em segurança de dados, Jaque se instala na “caverna”, como os colegas
apelidaram a sala de controle das câmeras de vigilância pública da cidade de
Sevilha. Atualmente trabalha na implementação do programa de reconhecimento de
rostos ligado ao G.E.O., grupo de operações especiais da polícia espanhola, em
cooperação com a Interpol. O objetivo é tornar a cidade completamente segura e
servir de modelo pra comunidade européia: taxa de resolução de crimes acima de
90 %. Cercada de telas, ela é feliz em seu bunker.
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