sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

os culpáveis (7)


Descobri ― mais exausto que estarrecido, e menos indignado do que deveria ― uma escala global-local da cidadania: assim como eu era mais gente que o Tomate, e por isso apanhei civilmente pouco na DP, a vida do Uzodima era incomparavelmente mais valiosa que a minha, e por isso ganhei duas tornozeleiras humanas na minha aba durante um longo mês, a versão gaiata de Starsky e Hutch passou a gerenciar cada aspecto do meu caótico cotidiano: da marca de café que abastecia seu insaciável apetite por estimulantes, ao papel higiênico folha dupla completamente fora do orçamento doméstico, saídas vigiadas, celular grampeado e confiscado, computador hackeado, encher a lata?, arrastar a vizinha do terceiro prum tetê-à-tête?, dar uns tecos na nine?, nem sonhar, tio, Faraco e Moura impuseram disciplina espartana e abstinência forçada a tudo aquilo que antes eu chamava vida pessoal.
A coisa começou errada de cara, logo ao chegar rolou um bafão com a Brenda, aliás, depois daquela dê-erre nunca mais nos falamos, mas me adianto, ela estava usando aquela sainha deliciosamente micro, liberado antes de mim, o Tomate também estava lá no apê de olhos pregados no chão, mesmo assim dava pra ver o estrago feito na faccia do coitado, um molambo cambaio de gente, a Brenda, ao contrário, veio pra cima fervendo na veia: sangue no zóio e faca no dente, ignorou a presença dos tiras e soltou a cachorrada em mim, sublinhando o rap de xingos com tapas e arranhões distribuídos sem dó.
― Custava atender a porra do telefone, custava?, seu merda! Uma mensagem, uma explicaçãozinha que seja... daí, lá pelas tantas, chega esse cretino todo fudido que não explica piçiroca nenhuma. Seu calhorda, cagalhão!
― Amorzinho, posso explicar tudo mais tarde? Sabe o que é?, tive uma noite do cão...
― Ah, sim, claro que você vai ter uma explicação, sete um é contigo mesmo, mas quer saber?, cansei do teu xaveco, papudo. Você quer é o Nelson Rodrigues todo: eu correndo nas delegacias e hospitais atrás do idiota que me faz de idiota, comigo não, cachorrão, tô por aqui dessa sua vida farra-pinga-e-foguete!
― Meu bem, vamo lá no corredor?, pelo menos lá, ao contrário destes cavalheiros, os vizinhos já conhecem os detalhes tão pequenos de nós dois ― na verdade, apesar do cansaço e dos safanões da Brenda, tava seco pra dar um cata naquelas coxonas. Sem dar bola pro bafafá, Faraco e Moura se instalaram no meu quarto sem a menor menção de pedir licença.
― E esses daí são o quê?, seguranças do Love Story que você levou o gringo? Vai tomar no cu, filho da puta presepeiro!
Fomos pra fora do apê, àquela altura minha pitchula choramingava lamurienta deliciosamente fazendo biquinho com a boca rosada e limitando as agressões a poucas (mas doloridas) muquetas eventuais, um assunto foi levando ao outro, e, antes que ela conseguisse perceber a falta de transição dramática, estávamos dando um amasso federal junto à banca do vendedor de balas e doces do andar, quando fiz nova e estonteante descoberta: minha musa estava sem calcinhas!, fato que em condições normais até faria parte dos nossos joguinhos sacanas, naquele momento me jogou num abismo de sofrimentos chifronésios otelianos, tamanha saliência não ornava com o manto da indignação que recobria a minha amada.
― Mas que porra é essa?, tem alguma coisa que cê precisa me contar, Brendinha?
― Não muda de assunto. Só... esqueci, foi tudo. Quem deve explicações aqui não sou eu.


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