sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

a polícia das famílias - III



O meu pai e a minha mãe têm brigas medonhas.

Antes da minha irmã nascer a Cida me trancava no armário de Nárnia até passar as ondas de fúria depois ficou pior ainda porque a bebê ficava berrando junto no quarto e daí sim aquilo parecia uma casa de bonecas loucas. O medo de alguém menor que eu deu mais medo em mim porque então descobri que eles não iam parar.

A confusão sempre começa pelos motivos mais bestas e dura horas de berraria pancadas na parede choro pedidos de perdão portas batendo e o sentimento que qualquer coisa pode acontecer. Fico só pensando se existem filmes de terror que dão tanto frio na barriga como sinto nesses dias.

Uma camisa que não estava passada, outro dia foi assim que começou. Por que será que papai e mamãe não ligam pras coisas importantes de verdade? Brigam como se a vida deles não tivessem escolhido direito, tem milhões de coisas acontecendo todos os dias muitas delas são coisas boas e mágicas mas preferem dizer: “A culpa é toda sua”.

“O pai de vocês trabalha muito está sempre cansado e precisa fazer muitas viagens pelo mundo todo por isso às vezes ele fica estressado e grita”, é sempre o que a mamãe fala pra gente quando acalma a berração. Eu já disse a ela que não adianta porque a piveta não pesca nada faz xixi na cama e fica doente a toda hora se não é uma coisa é outra sempre tomando remédio.

A pequenininha é nervosa e atrapalhada faz muita asneira porque dorme pouco e tem intolerância ao leite, além disso ela não entendeu nada do desenho que o papai fez na lousa do quarto. Ele desenhou com giz amarelo a mamãe caindo da escada e quebrando o braço em vermelho assim quando perguntassem pra nós a gente ia saber responder mas ela não conseguia parar de piscar os olhos assustada.

Já tenho quase nove anos, sei um monte de coisas.

E uma coisa eu aprendi e é nunca responder o que não te perguntaram mas adianta explicar isso pra coisinha tosca da sua irmã menor? Ela só tem que fazer como eu e se acostumar porque as coisas nesta casa são deste jeito e não de outro e porque senão pra quê que ia ter telefone de reclamação na caixa dos brinquedos?

Se até brinquedo vem com defeito também vai ter família que vem faltando peça e nem adianta queixar porque já tem tanta gente sem pai e sem mãe que ninguém vai se preocupar com quem tem. Eu aprendi também a esperar, esperar pelo dia em que não vão mais mandar em mim porque sou pequena só que esperar é a coisa mais difícil de agüentar os velhos têm mais paciência de esperar porque não esperam mais nada.

Lá na minha escola tá a maior confusão tudo por causa da minha irmã e das duas amigas dela que saíram falando mais que a boca e é só besteira pra todo lado. Acontece que eu tenho a CERTEZA que nada daquilo é verdade e mesmo assim tomei um cala-boca já que agora esse assunto é dos adultos e eles gostam mais de aumentar do que resolver as complicações.



Um comentário:

angela disse...

Vida dura a dessa pequena.