“Seu” Jamil
tinha cara de tudo, principalmente daqueles tiozinhos que organizam a fila na
Disneyworld, menos de um detetive de “renomada capacidade e testada eficiência”
como constava na biografia do seu site. Praticamente calvo, tinha o cacoete de
esticar os raros fios de cabelo com gel, a impressão era de que um hipopótamo
acabara de lhe dar uma lambida desde a testa até à nuca. A pança rotunda, a
pele escalavrada, o terno marrom, a careca mal assumida, tudo nele conspirava
para conferir-lhe a aparência puída de um contador interiorano. Mas o meu James
Bond com físico de jogador de baralho cobrava honorários de advogado
pica-grossa: recebia por hora e garantia a solução da pendenga em um prazo
máximo de uma semana.
― Andou
comendo a mulher de alguém? Não? Inimigos no trabalho, processos, ex sócios, ex
mulher ou ex namorada rancorosa, herança em disputa, deve dinheiro na praça...?
― Não, nada
disso. Já rachei o coco pensando em algumas dessas hipóteses, minha vida não é
de fortes emoções, doutor Biscaia. Pra mim o cara é pancada, doidão mesmo.
― Todo mundo é
meio detraqué, ao menos um pouco, menos os normais, que são hipócritas. O nosso
contrato vai até onde diz respeito à vida do elemento: onde mora, o que faz, e,
principalmente, por que está atrás do senhor. Se depois disso quiser dar um
susto nele, já não é comigo, embora possa lhe indicar pessoas de minha
confiança para o serviço.
― Bom, espero
não precisar chegar a esse ponto...
Tão logo deixei
o escritório do detetive particular, recebi o telefonema da minha namorada, Liríope,
a Lira, uma mulher encantadora que odeia o nome que os pais lhe deram, me
entende pouco, mas em compensação me ama muito. Acabara de chegar de viagem
(aquela mesma na qual não embarquei), estava louca de saudades e queria me ver.
Tomei o rumo do bairro dela, Moema, que àquela hora parecia ser o lugar para
onde o mundo queria ir.
O inferno
cotidiano do trânsito da metrópole. Liguei a rádio, nas ondas da freqüência
modulada rock gospel e as notícias mundo-cão: um psicopata saiu atacando
pessoas aleatoriamente, havia tatuado no corpo o número de vítimas que
pretendia matar. Menos mal que o pararam a um terço do objetivo. Mudei a
estação, melhor evitar aquela trilha de idéias, buscar uma egrégora mais
positiva antes de encontrar a Lira, até podia antever a cena: ela, com uma taça
de vinho na mão, desfazendo a mala, entregando-me presentes, contando mil pequenas
histórias que só ela sabia tornar engraçadas ― tudo isso enquanto fazia um
macarrão simples e gostoso.
― Como assim
você acha que eu estou indo longe demais nessa história?
― Simples
assim: você tem andado um pouco too much, tigrão. Sei lá, pode ser só uma
coincidência, você encontrou o cara em dois, três lugares, e encanou na onda da
perseguição...
― ... dois,
três, lugares? Lira, meu bem, esse xarope tem me seguido em todos os lugares onde eu vou. Você achar
que é uma simples coincidência, encanação, isso sim, é que é meio sei lá... Se um cara, ou uma mulher que
fosse, te seguisse pra todo canto, você não ia achar que tem algo errado?
― Sim, mas daí
você chamou um policial, agora, é o detetive. Onde isso vai parar? Sabe o que
eu acho que está acontecendo de errado?
― Por favor,
não me esconda nada, afinal, já tô até pagando por essa informação!
― É que tá
dando tudo certo pro teu lado: você tá bombando como publicitário, é jovem,
bonito, cara, você leva a vida que muitos sonham.
― Hmm,
certamente eu estou com a garota que todos gostariam...
― Tá vendo só?
Até nisso você tem sorte: é ligeiro, bem humorado, tem tudo a seu favor. Vai
ver sente culpa pelo privilégio e por isso é que precisa ficar inventando algum
problema que poderia rasgar teu bilhete premiado, quebrar as esferas do dragão.
― Putz, Lira,
você consegue ser fofa até quando me esculhamba. Impossível ficar bravo com
você. Quer dizer que, pra você, eu estou procurando pêlo em ovo?
Três dias
depois de ser contratado, o doutor Jamil Biscaia me procurou: caso encerrado.
Só não dava pra acreditar, mas estava tudo lá, numa pasta com fotos, páginas
impressas, relatórios e dados explicando e comprovando tintim por tintim.
Um comentário:
Vai deixar o final pra depois....sacanagem!!!
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