sábado, 22 de dezembro de 2012

O seqüestro do Tunico (parte 1)

Photo by juliacatu 

Uma piça, uma jararaca de TPM. A investigadora Runa Franklin está tiririca, fula da vida, plena de ira santa: a sua primeira investigação numa delegacia de primeira linha é mais que frustrante, abaixo de decepcionante: apurar o desaparecimento de um luluzinho de madame! Ela sabe que não tem escolha, a ordem lhe veio transmitida pelo delegado de plantão, diretamente emanada do titular da nonagésima sexta delegacia da polícia civil ― ou, no peculiar jargão dos tiras, o noventa e seis DP. Talvez por ser novata, mulher, ou por qualquer outro motivo besta, o delegado titular achara algum tipo de graça em encarregá-la de uma diligência vexatória como esta.

Já podia ouvir a saraivada de gozações dos colegas quando a notícia se espalhasse. Embora, verdade seja dita, aquela “delegacia cidadã” de bairro chique raramente tivesse ocorrências dignas de nota por estar localizado na avenida Luís Carlos Berrini, principal artéria do vetor sudoeste de São Paulo; sede de empresas nacionais e multinacionais ligadas ao setor de serviços terciários. Uma área de expansão econômica que serve também de monumento involuntário ao capitalismo tupiniquim: pesadelo social e urbanístico projetado para a circulação (lenta) de carros e inóspito para pedestres, que plantou reluzentes monstrengos de ferro e vidro onde antes havia pobretes alegretes. 

 ― Moreira, me quebra essa, não estou dando conta, minha cabeça tá explodindo... preciso dar uma volta, sei lá, acho que vou dar um tempo lá no repouso... sussa? ― em momentos como esse, Runa pensou, era até bom o titular não dar as caras no serviço (como de costume), estava capaz de mandar um par de “pregos” da sua pistola .40 nos cornos do “doutor”. Refletiu: nos cornos, ou nos bagos? Nos cornos, concluiu, assim sempre era capaz de entrar alguma coisa ali.

― Vai na boa, aqui tá tranqüilo, qualquer coisa, apito ― o experiente Moreira simpatizou de cara com a noviça, mas via claramente o quanto ela ainda tinha que aprender da vida de polícia. Observou-a sair dali bufando.

 Normalmente, os investigadores de plantão, como Runa, são escrivães de luxo, porteiros preenchedores de boletins de ocorrências bestas: brigas de vizinhos, bêbados e nóias que perturbam a ordem pública, roubos miúdos, assaltos idem, cornudos que espancam as corneadoras e vice versa, e outras miudezas que as pessoas insistem em não registrar on line; por isto se estabelece um rodízio de duplas que atendem a demanda da porta de entrada da delegacia. A idéia é montar uma barreira de burocracia de modo a que o delegado de plantão seja incomodado o mínimo possível, de modo a que ele possa dedicar o maior tempo possível a se entediar e fazer bósnia nenhuma de útil.

Antes mesmo de entrar na sala de repouso, cuja reforma tinha sido paga por generosos e desinteressados “gravatinhas” do bairro, ela pôde ouvir a algazarra que investigadores e escrivães faziam lá dentro. É uma marca da corporação, a masculinidade agressiva e espetaculosa; no mundo à parte da camaradagem entre canas, a “viadagem” é o único crime inafiançável. O homem-de-verdade é o padrão ouro na ética dos tiras ― até mesmo para as mulheres: por exemplo, ser sapa não pega mal (“gosta da mesma fruta que nós”), já a pegadora ganha rapidamente a fama de vadia; mas a carreira não exclui os gays masculinos, bem entendido, desde que ele não desmunheque, não seja pintoso, nem deixe de freqüentar o puteiro com os amigos. Resumo da ópera: lá nos seus particulares, o cara faz o que quiser com o ilhós, e pode até soltar o brioco; mas que o faça como homem.

O alvo do bullying institucional, para não variar, era o escrivão conhecido como Tabaréu.

― Aí Tabaréu, fica bolado não, é só zoeira... desculpa se machuquei você por dentro...

― Relaxa Taba, quando você sente duas bolas batendo nas suas costas, é porque o pior já passou!

― É rapaz, isso mesmo, o que você não pode é deixar os caras gozarem na sua cara...

― ... muito menos levar bolada no queixo...

― ... ou cabeçada no céu da boca! Hahahaha!

 ― Aí mano, cês vão tudo se fuder, tá bom? ― segurava as partes pudendas por cima da calça apontando o volume para o grupo ao redor ― Senta no meu que é do que cês gosta... vão dar o cu com areia, seus merda!

― Hahaha! O quê, isso daí? Cê não deve tá usando nem pra mijar!

― O famoso aposentado...

― Pode crer, a piroca do Tabaréu tá que nem gato de armazém: só dorme em cima do saco...

― Parou, parou, rapaziada, acabou de entrar dama no recinto...

Ainda puta das calças, Runa escanchou-se numa poltrona livre.

― Dama é o caralho, a única dama que vocês conhecem é dama-da-noite, mulher-da-vida...

― Vixe, que humor do cão! Tava na sala do chefe, já se viu... Senta aí, toma um café e relaxa... mordeu rabo de gato, foi? ― Sandoval, o comedor do distrito, não perdia uma chance de jogar seu xaveco matador.

É. Não ia ter jeito, quando a tchurma soubesse da diligência que ia fazer no dia seguinte, a caçoada viria firme e forte pra cima dela.

Um comentário:

angela disse...

Que missão sobrou pra coitada da Runa!!!!