domingo, 7 de outubro de 2012

Sul (parte 1)




― Está demorando um pouco, está mesmo?

― Pois é. Era pra ser uma hora no máximo...

― Apareceu alguém enquanto eu saí?

― Segunda vez que você pergunta. Não, não veio ninguém ainda, sem informações.

 Estou navegando rumo ao Pólo Sul.
Não poderia explicar como sei disso, apenas sei que esta pequena canoa onde me encontro sozinho segue por um mar escuro e sarapintado de blocos de gelo na direção do fim do mapa e do mundo.
O Sul.
O cu do planeta azul.
Uma longa faixa de vapor acinzentado corta o arco do horizonte à minha frente, ao sul; formando estrias secundárias que se deslocam nervosamente no sentido leste-oeste ou vice-versa, para logo retornar a um plano mais nivelado e uniforme. Quase a metade do céu está ocupada pela coluna luminosa.
A temperatura da água parece aumentar a cada instante, acompanhando a evolução exponencial das distintas alterações cromáticas. O ar é frio de uma maneira desconhecida para mim, mas a tepidez da água é verdadeiramente espantosa. Outra coisa digna de nota é a cor da água, que adquire um tom leitoso, sinalizando inequívocas modificações de consistência e densidade.
Nas proximidades do barco o mar se mantém razoavelmente calmo, embora perceba freqüentes e massivas perturbações da superfície da água a distâncias variáveis à direita e à esquerda; mais tarde, observo que cada agitação é precedida de breves lampejos da barreira vaporosa ao sul.
Sensível declínio da força do vento, até que cessa por completo a aragem gélida, ainda assim, sigo velozmente a minha rota na direção da ponta mais austral da constelação do cruzeiro impulsionado por poderosa corrente de média profundidade.
Creio que talvez fosse mais apropriado sentir algum alarme ou preocupação com o curso dos acontecimentos, mas a verdade é que sentia o corpo físico e o raciocínio entorpecidos ― uma sensação de devaneio, e nada mais.
Dilatação gradual da coluna de vapor, que assume uma coloração bem menos intensa. A temperatura da água já se torna proibitiva ao contato, de tão quente; a consistência leitosa mais evidente ainda.
A poucos metros da canoa forma-se uma turbulência no oceano, precedida por um súbito lampejo ao alto da barreira cinzenta. Noto que esta aparenta ter se dividido na base.
Uma poeira fina e branca, semelhante a cinzas, mas de flocos largos e mais leves, caiu sem pressa sobre o barco e arredores. O barco segue impulsionado pela correnteza à medida que o clarão se extingue em névoa e a revolução das vagas amaina.
Mar cada vez mais quente. Impossível manter a mão na água por mais de uns poucos segundos. A chuva de cinzas alvacentas caindo em vastas quantidades, enquanto a coluna do céu sobe a alturas prodigiosas no horizonte. A imagem que me ocorre é a de uma gigantesca cachoeira suspensa, rolando seu manancial de brilhos como se tombasse de uma inatingível fonte celeste.
Grandiosa cortina de nuvens cobre agora toda a extensão do campo visível acima do mar. Nem luz, nem som, nem cores.
A escuridão torna-se progressivamente mais espessa, contrabalançada por uma fosforescência que sobe das profundezas leitosas do oceano iluminando o barco e um amplo espaço em redor.
O mar em franca calmaria coberto pela chuva de flocos que caem, derretendo antes mesmo de aflorar a superfície da água ardente. A corrente prosseguia conduzindo-me e ao barco numa velocidade vertiginosa.
Percebo que me dirijo diretamente para o centro da cortina nebulosa, onde imenso abismo se abre à minha espera.

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