O
acaso também há de ter a sua tecnologia; um maquinismo complexo e arbitrário capaz de fazer reagir a espessura do mundo, capaz de tecer os destinos mais
improváveis, de cruzar os caminhos mais díspares ― até mesmo o aleatório teria
as suas razões?
Claro,
porque, depois das duplas Pelé-Coutinho, Holmes e Watson, Johnson &
Johnson, Laurel e Hardy, Washington-Assis, Tom e Jerry e do ZZ Top, todo mundo
conhecia a dobradinha WM na prefeitura de São Bernardo; para amigos e
conhecidos, Mansueto Carrascoza e Walfrido Pantaleão formavam a mesma, una e
única, substância. Corda e caçamba, tranca e tramela; dois minutos antes do Big
Bang já estavam juntos, brincavam.
Eram amigos de
mijar cruzado, mas não que se conhecessem desde sempre, muito ao contrário. Ambos
haviam cumprido carreiras paralelas no serviço público e na estrutura
burocrática do mesmo partido político; Mansueto era gestor de recursos humanos
em Itaquaquecetuba, enquanto Walfrido se destacava como assessor da área
financeira em Mauá.
Chegaram à cidade fundada pelo aventureiro João Ramalho a
bordo dos famigerados cargos comissionados, os DAS (Direção e Assessoramento
Superior).
Quando o
partido ganhou as eleições para prefeito de São Bernardo do Campo depois de
longo período na oposição, houve demanda por “quadros” qualificados para realizar
uma administração modelo, que funcionasse como cartão de visitas na região. E
assim, requisitados aos respectivos diretórios, é que foram se encontrar na
secretaria que gerenciava os editais e as licitações da cidade com o 13º maior
PIB municipal do Brasil.
WM realizavam
uma tarefa importante e delicada, crítica mesmo, tanto no âmbito do governo
como dentro da hierarquia partidária: direcionavam as compras de obras,
equipamentos e serviços da municipalidade de modo a que os financiadores de
campanha e parceiros econômicos recebessem suas merecidas contrapartidas em
contratos públicos. Pode-se dizer que eles compreendiam o verdadeiro espírito
do princípio de checks and balances.
Vista do alto,
a coisa toda tinha a precisão dos relógios suíços que adornavam os pulsos dos
nobres dirigentes do ABC paulista: por meio de aditamentos de contrato,
suplementações orçamentárias e verbas extras, gerava-se um sobrepreço nos
gastos públicos que deveria custear os participantes do esquema, o silêncio da
câmara de vereadores, além dos recursos para a cúpula do partido e a formação
do caixa “não contabilizado” das futuras campanhas.
Walfrido era
pastor evangélico, carismático, grande obreiro. Tanto fez que trouxe o colega e
a mulher para a sua congregação; as famílias estreitavam a cada dia o convívio,
tinham filhos quase com a mesma idade que eram colegas de classe na escola.
Mansueto, empreendedor nato, montou com o amigo uma empresa de aluguel de
carros blindados para transportar as quantias em espécie que circulavam farta e
descuidadamente à sua volta em bolsas, jaquetas, meias, sutiãs e cuecas. Usaram
as esposas como ‘laranjas” para registrar a transportadora.
― Manso, meu
irmão, tô ficando com medo disso tudo... não sei, esse enrosco todo que a gente
(suspiro), você sabe, desagrada a Deus, dinheiro não traz a felicidade...
― Sai dessa,
Waldo, é claro que o dinheiro não traz a felicidade. Ele só acalma os nervos.
Você tem mais é que aquietar os seus... veja o lado bom: não foi você que me
disse que as brigas com a patroa diminuíram, acha que foi por quê?
Um comentário:
Uma bem contada história...uma história que se multiplica por esse pais afora.
Postar um comentário