Mansueto
estava certo, se os dois ainda se esforçavam para manter o decoro quanto a
manifestações de riqueza ― traço raro no novorriquismo ―, as mulheres deles se
esbaldavam no consumo conspícuo. As respectivas Donas Encrencas haviam sido tragadas
por uma orgia febril de gastanças, seus delírios bovaristas eram de deixar
Becky Bloom arrastando o chinelo na 25 de março: shoppings de grife,
joalherias, lojas de decoração, boutiques exclusivas e fechadíssimas, nada lhes
diminuía o facho; Miami, de repente, tornara-se pequena para a fúria sagrada
que as habitava. Amavam, sobretudo, comprar roupas juntas; a mulher de
Walfrido, confessou certa vez à amiga, dentro do provador da Tânia Bulhões, a
estranha sensação que o ruge-ruge de alguns tecidos lhe causava.
― Amiga, não
sei nem te explicar, acontece principalmente com a seda pura, é o frufru
passando no corpo, acho, tipo um roçamento, sabe?, e aí escuto esse sussurro
brando: o grito da seda.
― Dá o dedinho
aqui, isso, agora somos BFFs: best friends forever!
Na prefeitura
ganharam o apelido de Chitãozinho e Chororó, muito embora não tivessem qualquer
semelhança com os cantores. Circulavam boatos, aquela coisa de rádio-pião: ora
era Mansueto que mordia a fronha, ora Walfrido que beliscava o azulejo; que
isso e que aquilo, mas também jurar, ninguém jurava. O fato é que navegavam em
mar de almirante e céu de brigadeiro, o prefeito caminhava tranqüilo para a
reeleição, e WM se faziam mais e mais indispensáveis para o chefe. Na peculiar
lógica que rege a política, eram considerados honestos, corretíssimos, dois
varões de Plutarco; uma vez feito o desvio, não desviavam o já desviado: faziam
chegar a todos o justo e devido na azeitada engrenagem que haviam montado.
― Mansueto,
sei não cara... uma hora a nossa casa cai, sabe o como é: imprensa, oposição...
esses caras podem levantar coisas, e aí quem dança somos nós, os bagrinhos.
Olha que Deus não dorme nunca. A justiça dos homens...
― Pára já,
pára com isso, meu irmãozinho! Bicho, é o seguinte: a gente sempre tem que
molhar a mão de alguém pra governar, entendeu? Os caras não fazem no amor, tem
que dar um café pros caras. A imprensa daqui é compreensiva (esfrega o polegar
e o indicador) e a oposição... a oposição táqui, ó (bate a mão no bolso).
Tinham seus
arrufos, como em toda a relação, mas a amizade sempre era maior ― amizade pura,
ao contrário do que maldavam as línguas bifurcadas. Walfrido não era
inteiramente cínico, pruria-lhe o gilvaz, acometiam-no as comichões do órgão
moral, tinha pontadas de sinceros escrúpulos; já Mansueto, perdia o emprego mas
não perdia a piada, era um gozador em período integral.
― Wal, entrei
para uma nova seita...
― Como assim?
Que seita?
― É a “aceita
cheque”... Hahaha!
― Blasfemo. Só
lhe perdôo porque sei que você tem a inconsciência das crianças...
― Hehe, para
nós, chequistas, deu, é amor!
Compraram
terrenos contíguos em Mongaguá onde construíram suas casas de praia, como bons
filhos da ascendente classe média paulista que eram. Providenciaram uma
comunicação interna entre as casas pelo jardim ― no litoral, finalmente, tornaram-se
vizinhos de porta. Sempre aberta, aliás, para a livre circulação de filhos,
cachorros e empregados.
A inauguração
simultânea foi nababesca e discreta, como convinha, embora por força de uma
megalicitação municipal, ambos tiveram de interromper o feriado, pois havia
reunião na casa do presidente do partido. Deixaram mulheres e filhos curtindo a
piscina e as comodidades das mansões de veraneio; as patroas não cabiam em si
de contentamento.
Foi de supetão.
Presos os cães, deitadas as crianças, ligados os alarmes, e com os criados
dormindo na edícula, elas se divertiam experimentando novíssimos peignoirs da Victoria’s Secret sobre os
lençóis acetinados da cama king size. Quando perceberam, estavam aos beijos e
abraços, rolando no macio e tirando a lingerie uma da outra.
― Uau, é...
nem sei o que dizer, nunca tinha feito isso... com uma mulher!
― Então não
sabia o que estava perdendo...
― Hmm, menina,
nunca tinha sido tocada assim...
― Boba. Foi o
casamento que te acostumou mal, sabe?, o sexo no casamento é que nem a
coca-cola...
― Já sei, com
o tempo perde o gás...
― Sim, quer
dizer, no começo é normal, depois é light, daí é zero.
Um comentário:
Coisas da vida...rs...de algumas vidas.
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