A campainha soa. Péim, péim, péeeim...
Um toque apressado, impertinente, quase irritado de sem paciência. Quem seria a uma desora destas? A Mulher não está esperando ninguém.
Pensa no que a avó lhe dizia: “Pra quê essa mania de independência? Pode isso?, ficar enfiada nesse apartamento num sábado à noite... acha que o príncipe encantado vai bater na sua porta?”
Levanta-se do sofá, vai até à entrada. Abre a porta.
Antes de completar o gesto, enquanto gira a maçaneta, vem o pânico: ninguém tinha sido anunciado pelo interfone do condomínio. Mas já não consegue interromper o movimento.
Um homem, desconhecido.
Que lhe estende um arranjo de flores amarrado com fita, de onde pende um pequeno envelope grampeado ao embrulho. O olhar dela escaneia rapidamente a figura do sujeito procurando adivinhar onde poderia estar escondida uma arma.
― Bem, se é só a entrega...
― Hãm, meu nome é Alfredo. Sei que você não perguntou, nem pediu para me ver, mas acho que é mais adequado começarmos assim.
― Começarmos... começar o quê, cara-pálida? E como é que a portaria deixou você subir sem me avisar, heim, Alberto?
― Alfredo. Mostrei o bilhete e eles entenderam, aliás, não vai ler?
A Mulher permanecia em guarda na soleira, mantinha o lado esquerdo do corpo semi-oculto pela folha da porta. Não se dignava pegar as flores que o outro se esforçava por lhe entregar.
Alfredo atura cada uma das questões e objeções com uma serenidade tão desabituada que ela não consegue deixar de se impressionar com o rapaz.
A Mulher, finalmente, lê o cartão.
Empalidece. O rosto dele se ilumina de expectativas. Um silêncio cavo constrange ambos no hall do elevador.
― Isto é uma brincadeira, ou você é maluco? Com que direito você invade a minha privacidade... vem dizer que me ama, que, se eu lhe der chance, também vou lhe amar, e que, depois que a nossa relação nos transformar, tem medo de que me afaste de você?!...
― É, a minha fachada não impressiona, mas se você chegar a me conhecer...
― Como assim, lhe conhecer? E você, de onde me conhece, senhor perfeito desconhecido?
― Ah, isso!, bem, com tanta informação por aí, você sabe, hoje dá pra saber quase tudo sobre alguém antes de conhecer propriamente...
E por aí foi.
Ela foi também, mas não sem que antes lhe viesse à mente outra frase dos tempos do zagaia: “Se a Terra gira, então andamos todos tontos”.
Deixou que ele se explicasse na sala de estar. Fez-lhe um café. E um drinque. Alfredo tinha dito a verdade, e ela foi se encantando conforme o conhecia; embora a chocasse tamanha facilidade em aceitar um estranho dentro de casa.
4 comentários:
Taí, gostei desse jeito de contar uma pequena história que deu certo, pode ser, sim, perigoso, mas foi tão romântico... aqui onde moro não podemos nem pensar em abrir a porta a um desconhecido...Rio de Janeiro!
Beijos, Mery, já te sigo, visita-me, se puderes.
Que bom!
bem, caríssimas, ainda não acabou...
Está um belo blog, vou segui-lo, gostei! Parabéns!
Abraço
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