― Está
demorando um pouco, está mesmo?
― Pois é. Era
pra ser uma hora no máximo...
― Apareceu
alguém enquanto eu saí?
― Segunda vez
que você pergunta. Não, não veio ninguém ainda, sem informações.
Não poderia
explicar como sei disso, apenas sei que esta pequena canoa onde me encontro
sozinho segue por um mar escuro e sarapintado de blocos de gelo na direção do
fim do mapa e do mundo.
O Sul.
O cu do
planeta azul.
Uma longa
faixa de vapor acinzentado corta o arco do horizonte à minha frente, ao sul;
formando estrias secundárias que se deslocam nervosamente no sentido
leste-oeste ou vice-versa, para logo retornar a um plano mais nivelado e
uniforme. Quase a metade do céu está ocupada pela coluna luminosa.
A temperatura
da água parece aumentar a cada instante, acompanhando a evolução exponencial
das distintas alterações cromáticas. O ar é frio de uma maneira desconhecida
para mim, mas a tepidez da água é verdadeiramente espantosa. Outra coisa digna
de nota é a cor da água, que adquire um tom leitoso, sinalizando inequívocas
modificações de consistência e densidade.
Nas
proximidades do barco o mar se mantém razoavelmente calmo, embora perceba
freqüentes e massivas perturbações da superfície da água a distâncias variáveis
à direita e à esquerda; mais tarde, observo que cada agitação é precedida de
breves lampejos da barreira vaporosa ao sul.
Sensível
declínio da força do vento, até que cessa por completo a aragem gélida, ainda
assim, sigo velozmente a minha rota na direção da ponta mais austral da
constelação do cruzeiro impulsionado por poderosa corrente de média
profundidade.
Creio que
talvez fosse mais apropriado sentir algum alarme ou preocupação com o curso dos
acontecimentos, mas a verdade é que sentia o corpo físico e o raciocínio
entorpecidos ― uma sensação de devaneio, e nada mais.
Dilatação
gradual da coluna de vapor, que assume uma coloração bem menos intensa. A
temperatura da água já se torna proibitiva ao contato, de tão quente; a
consistência leitosa mais evidente ainda.
A poucos
metros da canoa forma-se uma turbulência no oceano, precedida por um súbito
lampejo ao alto da barreira cinzenta. Noto que esta aparenta ter se dividido na
base.
Uma poeira
fina e branca, semelhante a cinzas, mas de flocos largos e mais leves, caiu sem
pressa sobre o barco e arredores. O barco segue impulsionado pela correnteza à
medida que o clarão se extingue em névoa e a revolução das vagas amaina.
Mar cada vez
mais quente. Impossível manter a mão na água por mais de uns poucos segundos. A
chuva de cinzas alvacentas caindo em vastas quantidades, enquanto a coluna do
céu sobe a alturas prodigiosas no horizonte. A imagem que me ocorre é a de uma
gigantesca cachoeira suspensa, rolando seu manancial de brilhos como se
tombasse de uma inatingível fonte celeste.
Grandiosa
cortina de nuvens cobre agora toda a extensão do campo visível acima do mar.
Nem luz, nem som, nem cores.
A escuridão
torna-se progressivamente mais espessa, contrabalançada por uma fosforescência
que sobe das profundezas leitosas do oceano iluminando o barco e um amplo
espaço em redor.
O mar em
franca calmaria coberto pela chuva de flocos que caem, derretendo antes mesmo
de aflorar a superfície da água ardente. A corrente prosseguia conduzindo-me e
ao barco numa velocidade vertiginosa.
Percebo que me
dirijo diretamente para o centro da cortina nebulosa, onde imenso abismo se
abre à minha espera.
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