Nunca
estive na França. O que é curioso, uma vez que visitei diversas vezes a Europa,
a passeio ou a trabalho; porém, sempre me aconteceu, por este ou aquele motivo,
de o roteiro não contemplar a pátria de Godard, de Zidane e do queijo gorgonzola
― muito embora Godard tenha origem suíça, Zidane seja argelino e o queijo
gorgonzola, italiano. Mas isso não vem ao caso, o que vem ao caso é o caso
estranho de ― não obstante o que afirmei anteriormente ― ter morado quase vinte
anos no castelo de Maintenon, cidadezinha a sudoeste de Paris e a meio caminho
entre Versailles e Chartres.
A
estrada que me lembro corria por baixo de um imponente aqueduto construído por
Vauban durante o reinado de Luís XIV, coberto por flores e vinhas silvestres e
ladeado pela floresta de Poigny, seus arcos de pedra recortando pedaços de um
céu glorioso. Os engenheiros do rei-Sol projetaram este aqueduto para abastecer
com as águas do rio Eure as 1.400 fontes dos jardins de Versailles, de modo que
as cataratas não parassem, fosse noite ou dia. Um delírio de grandeza que
ocupou trinta mil trabalhadores, entre pedreiros e soldados, e também uma obra
interrompida pela Guerra da Liga de Augsburgo. A guerra, prevista para ser
curta e que duraria dez anos, consumiu os pratos de ouro do rei, que se viu
obrigado a vender até a prataria que brilhava à luz de 4.000 velas na Galeria
dos Espelhos em Versailles.
Nunca
haveria dinheiro para construir a série de três canalizações previstas no
projeto inicial, conseqüentemente, as fontes do jardim real raramente eram
ligadas; dando origem a um sem número de chacotas entre a enciumada burguesia
parisiense. Se em Versailles o aqueduto fracassara, em Maintenon, contudo, as
águas foram suficientes para converter o fosso fedorento da lúgubre fortaleza medieval
em espelho d’água que circunda os jardins do castelo reformado que abrigaria os
cinco filhos bastardos do rei. Visto à distância, o Château de Maintenon
literalmente flutuava sobre um sistema de canais a desaguar num magnífico lago
artificial.
Do
amplo pátio, entrava-se para o castelo de estilo gótico tardio passando sob um
relevo de São Miguel Arcanjo matando um dragão; subindo uma escadaria para o
primeiro andar, lá estava o imenso retrato a óleo da marquesa, Madame de
Maintenon. Não se imagine luxo nesta construção austera, a refletir a
personalidade de sua dona, exceção feita aos aposentos reais, com retratos de
quatro antecessores ― Luís XII, Francisco I, Henrique IV e Luís XII ― sobre
cada uma das portas e uma cópia do retrato da coroação de Luís XIV feito por
Rigaud. Vivíamos numa faina para manter o tom e a higiene adequados do lugar:
uma reduzida equipagem de duas amas, uma criada, um cocheiro, um estribeiro,
dois lacaios, duas cozinheiras e um médico.
Mas
divago. Talvez seja melhor e mais sincero explicar que naquela época minha vida
estava bem longe de passar por uma fase solar: tinha acabado de me separar, a sociedade
da empresa patinava e a minha cabeça tinha mais nós do que as tranças de
Rapunzel. Meu ex-marido desfilava numa moto de ‘trocentas’ cilindradas com uma lambisgóia
grudada nas costas feito carrapato; desnecessário dizer, impossível calar:
metade das primaveras que me ilustram a biografia. E a cruel cereja, corolário
do bololô, a peguete começava a seduzir meus filhos a golpe de passeios no Hopi
Hari, além de sessões intensivas de shopping e videogame.
Tive
um colapso nervoso, fui indicada pelas melhores recomendações ao Dr. Edson, um
terapeuta holístico. Comecei sessões de meditação com cristais, massoterapia e
tomava bolinhas e gotinhas praticamente de hora em hora, todos os dias. Certo
dia, ao retornar do enésimo período sabático em que me entediei comigo mesma, comentei
com o doutor sobre os meus problemas sexuais; neste momento, ele decidiu que eu
precisaria de sessões de hipnose. Ele falou apenas isso, hipnose, mas depois
foi me convencendo a tentar algo mais radical: terapia de vidas passadas.
E
foi assim que descobri Jeanne D’Arc Dubois, vulgo Jeannette, dama de companhia
de Madame de Maintenon.
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