O sonho e a memória
têm a mesma desmedida, ambos cabem no curso de uma noite; já os pesadelos, caem
sobre nós a qualquer hora e em qualquer lugar. Os dois rapazes giravam o corpo,
mas não achavam uma rota de fuga no campo de visão: em volta deles, a pequena
multidão famélica cerrava fileiras compactas e ameaçadoras. Havia ali as sobras
encardidas do que teriam sido vinte pessoas.
“Comer!”
“Já dei tudo
que tinha, acabou”, Bob tentava em vão fixar-se em algum rosto, alguém que
fosse o representante daquele aglomerado que parecia rosnar de todas as bocas e
nenhuma ao mesmo tempo.
“Mais, quer
mais...”, era como aquelas pinturas representando as várias encarnações dos
deuses hindus, embora aqui o resultado fosse uma massa informe ao invés de uma
figura discernível.
“Não chega
perto, afasta, afasta!”, o menino engatilhou a balestra e a apontava para o
grupo sem individualizar um alvo. A almôndega humana afastou-se alargando o
círculo.
“Ei, ei, pára
com isso cara! Tá maluco?! Você pode ferir alguém com esse bagulho, mano”, Bob
começou a ficar preocupado com as atitudes do companheiro armado.
“Ah tá, e o
que tu acha que eles vão fazer com a gente, manézão?
“Comida,
precisamos comer. Levem a gente ao seu acampamento, dêem o que precisamos e nós
vamos embora”, um gordão com cara de poucos amigos se destacou do grupo falando
como líder.
“Pô, se é só
isso, não tem problema. Vamos...”
“Bob, você
consegue parar de falar merda um minuto? A gente não vai a lugar nenhum, cara,
e quem se aproximar leva prego.”
“Certo, moleque,
mas você vai conseguir disparar uma flecha só pra se defender. A chapa vai
esquentar pro teu lado se ferir alguém antes de ser pego.”
Olhou
incrédulo na direção do “cunhado”, e constatou: estava desarmado.
“Caralho, Bob,
cadê a porra do teu facão?!!”
“É... acho que
deixei lá perto da bomba d’água. Foda carregar essa parada pra cima e pra baixo...”
O círculo
voltou a se fechar em volta deles, lenta, mas continuamente. Um estrondo
paralisou o estranho balé de avanços e recuos, causando um rebuliço na
passarada escondida na floresta.
“Muito bem,
acabou a brincadeira, este foi pro alto, mas a próxima bala eu vou meter nos
cornos do imbecil que der o próximo passo”, vindo de trás da roda de
molambentos, o pai surgiu de um matagal empunhando uma espingarda de dois
canos.
Silêncio.
Longos instantes
passaram antes que voltassem os sons característicos da mata.
“Na boa, meu
irmão, o problema continua: no máximo vocês derrubam dois de nós. Os que
sobrarem jantam cês tudo, melhor dividir o que têm com a gente... escuta, não
vou deixar que toquem no garoto.”
“Escuta você,
quem tocar no garoto, morre.”
Um comentário:
Daqueles pesadelos em que a gente so quer acordar.
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