domingo, 3 de novembro de 2013

a escolha do Supremo (4)


Se eu tivesse que arriscar uma hipótese ousada, diria que grande parte dos adultos não ultrapassa algum estágio determinado da infância, e que, por este motivo, a face da maturidade decalca invariavelmente uma caricatura da meninice. É como se o homem feito fosse um filho eterno da criança que foi ― e nunca deixou de ser. Ninguém cresce muito.
Tempos atrás, a rapaziada da firma resolveu marcar a happy hour de sexta feira num puteiro. Embora relutando por ser o chefe deles, acompanhei-os. A zona é a minha segunda casa, modéstia às favas, manjo tudo da etiqueta do brega, posso dizer, sem me achar a última bolacha do pacote, que conheço biblicamente a maioria das meninas do meio, suas tretas e comédias. Fato: elas vêm de lares desestruturados; mito: as que ficam na vida, gostam do rock and roll; fato: beijam, sim, na boca; mito: gozam, de verdade e não; fato: fazem um bom pé de meia, e se estabelecem; mito: cafetão já era, quase todas se autoempresariam. Amor verdadeiro, se pintar, entra de sócio; dono, só do coração.
O puteiro é um lugar perigoso para as almas juvenis. Seu ambiente de farsa feérica, o clima de parque temático dos encontros furtivos, emana neblinas que inebriam os virgens no mel da sedução feminina. Pois foi nesta visita que o Futuro Sogro, uma lamentável figura que usava enchimento na cueca, conheceu a esposa. Enquanto o infeliz não subiu ao altar, sofreu um calvário de chacotas dos colegas; uma vez amarrado na cruz do matrimônio, porém, estava criado o impasse: ninguém se atrevia a zoar um sacramento. O nascimento da filha do casal deu o mote.
― Aí moçada, olha aí as fotos da minha princesa...
― Puxa, parabéns, se tem um cara que merecia essa alegria era você...
― Como se chama?
― Brenda. Que foi... que silêncio é esse? Cês não gostaram do nome?...
― Bem, quer dizer... é que, tu não deu só um nome pra tua filha, tu deu a ela uma profissão!
― ... das mais antigas...
Num dado momento, tivemos de fazer uma escolha: ou permitir todos os apelidos, ou proibir geral. O que é do homem, o bicho não come. Senão some. Não teve jeito. No caso do meu sócio, a opção liberatória envolveu certas delicadezas: já era público o seu hábito de freqüentar sessões de swing, como ele mesmo frisava, um programa familiar, com a mulher, e coisa e tal. Até aí não havia irregularidade, segue o jogo. O detalhe foi uma certa festa de fim de ano na Nefertiti, famosa casa de sexo grupal.
― Escuta, cara, sabe com é, a notícia vazou nas redes sociais...
― É... não adianta esconder, o que aconteceu, aconteceu... Agora, nego por aí tem uma boca mole do carai... ― e olhava em volta, procurando adivinhar a identidade do dedo nervoso.
― Mas... ela, ela  tava lá com quem?...
― Com quem?! Ora, com quem?, com o inútil do marido dela! É foda, o camarada não tem o direito de ir com a patroa na casa de swing, sem ter que dar de cara com a mãe e o padrasto?
― Pensa pelo lado bom: sua mãe tá aproveitando bem a ajuda mensal que cê dá pra ela...
― Mamma Mia!
― Ah, cês tudo vão ralar o cu nas pedras, nessa porra de empresa mais se fala que trabalha!
A escolha do Supremo é um sufrágio à maneira germânico clássica: há apenas um grande eleitor, o aniversariante do dia. Um verdadeiro mistério a popularidade de que desfruta. O Supremo é simplesmente o cara que recebe a primeira fatia do bolo, nenhum outro privilégio, nada de imunidade ao trote dos companheiros durante o seu “reinado” ― que dura até ao próximo aniversário. Há um mandato extremamente curto, quando dois fazem anos na mesma semana. Não obstante, cria-se um frenesi em torno da escolha, com apostas a dinheiro, intensa especulação, palpites, cotação dos top five, campanhas por determinados candidatos, etc.
No passado, houve casos de fraude eleitoral, com compra de voto, jogo-de-comadres (eu te escolho, você me escolhe), escolhas de protesto, ou de bajulação, e tudo mais que faz parte do barro demasiado humano. A solução foi obrigar o eleitor a justificar sua preferência proferindo um discurso, o qual é julgado no seu grau de sinceridade. Uma escolha fracamente defendida, dá origem a um Supremo pouco considerado.