Ou seja, bem feitas as contas, na
real mesmo à vera, as coisas são sempre mais parecidas que complicadas, é como
aquele caso da faxineira presa por roubar um bombom trufado da mesa do
delegado, toda história tem pelo menos dois lados: o da trufa e o de fora, pois
bem, na cobertura de chocolate da minha vida corria a parada com o jornalista
americano que fazia surf no sofá do meu honorável muquifo, mais sofá do que
surf é verdade, mas ainda assim era um contato internacional, um cara com coluna
fixa na Transmetropolitan, “a” revista cybermod dos isteites, pouca merda não é,
convenhamos, nem pouco peso: Uzodima Iweala é, ou era, um afroamericano de
trocentos quilos, do quais uns cinqüenta só em dreads dourados escorrendo da
cabeça oval, infalivelmente vestido como um babalorixá do Malaui e responsável
pela quebra da minha cama um ano antes quando veio cobrir a Copa das Copas, vou
morrer achando que o enrosco da faxineira seria bem menor se não fosse a trufa.
Vamos tentar organizar a quizumba, já
perdi a conta dos editores que surtaram tentando organizar a diarréia hegeliana
de orações subordinadas nos textos com distúrbio de atenção que me sustentam no
nível do Bolsa Família (tenho (tinha) um frila sem nota, razoavelmente fixo,
numa revista de viagens, mas isso não vem ao caso agora), pause, volta o filme:
cinco minutos antes o telefone de casa tocou, pânico, vertigem, procrastinação,
quem ainda liga pra fixo neste planeta?, só telemarketing, agiota, ou parente
com notícia de morte, quem na família estava no bico do corvo?, bem, tenho uma
tia em no interior com erisipela ― dá pra morrer de erisipela?, antes de
conseguir dar um googlada, o telefone tocou pela vigésima vez e então achei que
três da tarde de um sábado é uma hora como outra qualquer pra alguém te acordar
e foder seu dia, o partido do autoengano no meu pensamento nublado insistia em apostar
numa ex que apagou meu contato, esqueceu o quanto me odiava e acontecia estar precisando
desesperadamente de um pau amigo.
― Hello, sou eu, Uzodima. Tava
cagando, yo?
― Fala, grande Uzo, isso é hora de
quase me matar do coração? Já tava vendo minha tia morta em Araras...
― Arrarras? Tia morta? What a
fuck... cheirando de novo, bro?
― Esquece, a fita é longa, ningué
morre de erisipela, mas fala, cara, que horas são aí agora?
― Doze minutos... passado três PM.
― Puxa, a hora daí tá que nem aqui:
quinze e pouco.
― Claro, porra, estou em frente seu
prédio!
― Caraca, mano, não me avisou por
quê?
― Porque você não responde cell
phone ou e-mail.
Uzo tinha razão, passei as últimas
semanas evitando o mundo depois de assinar a reportagem de uma das muitas viagens
que nunca fiz, numa barriga em que não fui o menor dos Inocêncios, novo
organizador dos fatos: a edição especial sobre o Tahiti da revista Trips and
Travels ostentou uma deliciosa crônica nas areias brancas e águas azul turquesa
de... Turks and Caicos, grande merda, Caribe, Polinésia, quantas pessoas neste
país sabem a diferença?, os caras não me pagam nem uma diária na Cidade Ossian
e ainda querem que eu ache inspiração no Parque da Luz pra escrever sobre
lugares estilosos munido de encartes coloridos e prazos exíguos, acabou que
grana não vi e os caras só não me demitiram porque nem contrato havia, vida de
pejota é andar no arame, camelar o perrengue pra sempre, computando os
prejuízos dei por perdida a verba do aluguel (já atrasado em 3 meses) e a
pensão da ex (também atrasada), ou melhor, da minha filha Ava, com ela me
entendo numa ida ao zoológico, mas a mãe não vai perder a chance de me mandar pruma
cadeia onde um bando de meliantes faria o seu melhor pra transformar meu reto
num cano de 3 polegadas ,
como são as coisas: as vigas mestras da maçonaria da minha existência ameaçavam
desabar, e, de repente, vindo do Norte maravilha, lá estava a solução dos meus
problemas: um gringo recheado das doletas que me faltavam, trabalho e
liberdade, isso é a América, e também o lema de Auschwitz, acho, vou dar uma
googlada.
Um comentário:
Encrenca na certa!
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