sábado, 13 de abril de 2013

O último fim de mundo do milênio (VII)



NATASHA & PROFESSOR CAMARINHA 20:29

            Eléos e Phóbos, piedade e terror.
Tanto quanto a tragédia grega encenou os muitos tons e sentidos da dor, a arte cristã se dedicou a representar a paixão de Cristo, ou seja, a história do martírio: a dor extrema do Filho de Deus. Purgação e expiação das paixões. Identificação e compaixão. Paixão mista em que o prazer nasce da contemplação dos limites do ser humano, da visão terrífica da morte.
Sacrifício ritual, culto dos mortos, a arte nunca deixou de ser um exorcismo do incomensurável poder de Tânatos; na arte, reencontramos a dor na sua vertente sublime, descobrimos que a beleza pode ser terrível. Respeitável pai de família, pesquisador nível A da Capes e figura de proa da intelligentsia tupiniquim, o professor Camarinha mantém oculto um lado da sua vida. Ele é um esteta da dor.
O professor descobriu o segredo dos torturadores de todos os tempos e lugares.
            O pensamento clássico segrega mente e corpo em universos paralelos; quando dizemos distraidamente ‘meu nariz’, ou ‘minha perna’, salta aos olhos (e aos ouvidos) a exterioridade do ‘eu’ que fala na relação com o ‘seu’ corpo. Eu não é um corpo, eu é um outro. Etc., etc..
            Ora, o objetivo primeiro e último de qualquer suplício é devolver este eu onipotente ao corpo em agonia; derrubar a dignidade da primeira pessoa do singular, reduzindo-a a um feixe excretor de sensações. Carne e medo.
            Prosaico silogismo do carrasco: você é este corpo, este corpo me pertence; logo, você me pertence. Cequedê. O caroço desta verdade quebra a espinha ao mais durão dos idealistas. Memento mori pra ninguém botar defeito.
            A um sujeito destituído em sua palavra, corresponde um corpo despido do seu próprio controle, que não pertence mais a si mesmo, transformado em objeto nas mãos perversas de um outro cujo poder não tem limites. Nesta experiência de ultrapassagem e redenção, de cruzamento de fronteiras e concomitante restabelecimento de padrões, Natasha é mestra em extorquir dele as verdades recalcadas, em alçá-lo aos cumes gêmeos do sofrimento gozoso.
            O interfone tocou. Chegara, finalmente. Abriu a porta para ela já vestido com o pijama de estampas infantis; os membros peludos e a pele do professor contrastavam com a tez mais clara da careca.
            “Hãm, oi, boa noite, deixe-me ajudar com o casaco... Aii!!”, ainda no vestíbulo, mas já com a porta fechada, levou a primeira chicotada da noite.
            “Quem deu autorização pra tocar em mim?”, Natasha já tinha incorporado, usava a máscara da Mulher-Gato, os longos cabelos castanhos a lhe cobrir os ombros. “Pega a minha mala. Leva pra lá. Só abre quando eu mandar”.
            Desfez-se da capa de vinil sobre uma poltrona. Relanceou os olhos pelas paredes da sala cobertas por prateleiras de livros. Caixas de som tocavam ‘No Castelo do Rei da Montanha’ do Peer Gynt. A filmadora a postos sobre um tripé. Conferiu o enquadramento da câmera na telinha. Perfeito.
            “Já posso abrir?”
            “Não ouviu o que eu falei?”, e, pimba!, sapecou-lhe o reio de novo, nos quartos. Natasha apercebeu-se satisfeita da ereção que já lhe estufava o pijaminha.
            Devidamente autorizado pela patroa, o escravo pôde, enfim, abrir a maleta, de onde foi saindo uma cornucópia de couro e metal: correntes, arreios, coleiras, uma chibata, uma máscara de gás emborrachada, algemas de zamak cromado; e o principal acessório, o Bernardão.
            “Vamos passear agora”, puxou-o pela coleira, dirigindo-se para a cozinha, “Mas vou avisando: toda e qualquer desobediência ou mau comportamento serão severamente castigados. Responde!”, deu-lhe um repelão brutal na coleira.
            “S-sim senhora!”
            Natasha pôs a água para esquentar no microondas. Cinco minutos.
            “Ah, não é possível, babando na minha bota!”, desfechou-lhe uma saraivada de golpes com o chicote de nove tiras. O servo se contorcia gemendo excitado, acariciava o membro intumescido.
            Levou-o para a sala aos pontapés.
            “Já pro castigo! Mau, muito mau menino, agora não pode dizer que não avisei... Vira pra parede, já! Está de castigo até eu mandar!”
            “Na-ãao, o castigo não, perdoa mamãezinha, o castigo não...”
            “Você errou, e sabe que tem de ser punido para o seu próprio bem. Isso dói muito mais em mim que em você...”, ouviu o sinal do microondas, voltou para a cozinha arrastando a mala de rodinhas metalizada. As botas de salto alto ressoavam no assoalho de tábuas corridas.
            Natasha preparou com cuidado o Bernardão: um consolo avantajado, em borracha crua, calibroso, e equipado de êmbolo. A água deveria estar tépida, nunca quente demais.
            “Abaixa essas calças, pirralho atrevido, chegou a hora do enema! Vamos limpar toda a sua sujeira, até a de dentro”, ela se movia com os passos elásticos de pantera, a roupa de suplex delineando a silhueta sinuosa, o ameaçador rabo-de-tatu preso na cintura.
            “Mas... já? O Bernardão agora não, nem tô com a tripa presa... eu fiz cocô direitinho como a senhora gosta, por favor, agora não.”
            “E eu te perguntei alguma coisa, moleque?”, Splaat, estalou uma chibatada nas nádegas do professor. Ajustou algemas nos pulsos e tornozelos dele, arriou a parte inferior do pijama, untando-lhe o ânus com gel de xilocaína. Introduziu o dildo cuidadosamente.
            “Unff!! Aiii, pára com isso, não faz isso comigo, assim, hmm... pára...”
            “Isso, este é o meu escravo, assim que eu gosto... vai confessa, fala pra mim todas as coisas feias que andou fazendo”, a dominatrix esvaziou o êmbolo do Bernardão, injetando dois litros de soro morno nos intestinos do masoca. Sentia estar se aproximando de alguma coisa nova com o súdito, um novo limite ia ser quebrado naquela noite; a excitação que ele apresentava era maior do que o habitual.
            Descalçou as botas. Tirou as meias.
            “Hmm, ai, que duas jóias mais lindas, que dedinhos! Posso...?”, ele pedia, mas já se atirava sobre os pés da tirana, lambendo-os, sôfrego.
            “Você sabe o preço, né? Sabe ou não sabe? Responde!”
“S-sei sim senhora”.
“Lambe primeiro as solas dos meus sapatos, já!”
            Chegaram na parte da cena que Natasha mais gostava.
Calçou as suas pièces de résistance: sandálias de salto alto; simplesmente duas jeweled-fish de Giuseppe Zanotti. Usando algemas com afastador, prendeu-o deitado de bruços a uma coluna da sala. Caminhava sobre as costas do sujeito, perfurando-lhe a camisa com o salto afiado no calcanhar. Pequenos botões carmim emergiam no tecido.
Vestiu o rosto dele com a máscara de gases. A vítima gritava, choramingando palavrões abafados pelo bocal de borracha amarela.
“Grommfbb, ca, ca...”
“O que é que você falou? Mais alto, quero ouvir!”
A hora da verdade.
A fronteira da qual recuara até então. Trocou a posição das algemas no poste de suplício, virou-o de barriga para cima. Era necessário que visse tudo. Afastou as pernas sobre o peito dele, abriu um zíper no macacão de suplex que atravessava o cavalo da calça da frente ao cóccix. Concentrou-se. Em breve, um bem formado tolete se depositava sobre a barriga do escravo.
O professor Camarinha arquejava em êxtase. Manchas úmidas se alastravam nos calções do pijama.

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