sexta-feira, 8 de abril de 2011

Poemas de João Melo

The show must go on


Chuck Berry, o inventor do rock and roll,

espetou um aguilhão de ouro

nos tomates putrefactos do racismo

Chuck Berry, com seu cabelo desfrisado,

seus pulinhos de gato

e seus acordes luminosos,

misturou no mesmo palco

e na mesma febre improvável

o que não se devia misturar

Chuck Berry, com seu orgulho negro

sem ressentimento nem arrogância,

gostava de comer

garotinhas branquinhas

curiosas e safadas

Chuck Berry, por conseguinte,

tinha de ser detido

para não continuar a espalhar

a loucura que havia inventado

Chuck Berry foi trocado

por um branquinho de patilhas espessas

e uma crista pedante na cabeça

chamado Elvis Presley



Post Oak Boulevard

Cruzamento de aço brilhante.

A abóbada azul do dia

desce vagarosa sobre os meus olhos,

como uma toalha desdobrando-se lentamente

sobre o tempo. Vagam os meus pensamentos,

como flocos de ar, entre

a alegria e a tristeza.

São complexos os humanos sentimentos:

por que razão insistimos

em reduzi-los a equações simples e miseráveis?

Por que exigimos, a todo o instante,

a comparência dos culpados,

para atirar-lhes à cara

tudo aquilo que temos medo de fazer?

Os pássaros alinhados em cima dos fios eléctricos

nada me dizem. Metáforas impossíveis,

parecem condenados, enrugados e cinzentos,

à espera do pelotão de fuzilamento,

sem saber que o mesmo não existe.

A minha mão está suspensa sobre

a alavanca perplexa,

sem saber o que fazer.

Oiço um coro de buzinas terríveis à minha volta,

mas na verdade ignoro

de onde provêem.



João Melo escritor angolano com um livro de contos "Filhos da Patria" publicado no Brasil pela Record (Rio)


Um comentário:

filipe com i disse...

que maravilha esta lusofonia da Revista Lowcultura, gostei muito das reflexões do João Melo!