domingo, 17 de abril de 2011
Os Fukushima - epílogo
― Olha pra mim vagabundo, vê quem vai te mandar pro inferno ― Iuri estava numa clareira com a arma engatilhada a poucos metros de um bandido que caíra na fuga e tentava desesperadamente recarregar a garrucha. ― Minha Nossa senhora, não pode ser... você?!
― ... ― Yuriko não conseguia falar, contra a vontade dela os olhos se encheram de lágrimas. Estava vestida como se fosse um homem.
― Por que você tá assim? O que é que você tá fazendo no meio desses caras?... ― tentou ser durão por alguns segundos, mas correu para abraçá-la chorando como a criança que estava deixando de ser.
― De que outro jeito eu ia te procurar? Meus pais não queriam me deixar sair de casa, os celulares mudos... as estradas todas zoadas... escuta, os outros não podem saber que... você sabe...
Iuri voltou para junto da queda d’água e chamou o tio para uma conversa a sós. Queria se despedir e também pedir-lhe a bênção. Contou que estava partindo com a matula, pediu para ficar com a arma que portava e para levar uma das montarias. Hideo ouvia os argumentos do adolescente calado, a cara trombuda. Pensava, pesava os prós e contras da história toda.
― Moleque, como é que vou dizer pro seu pai e sua mãe que deixei você ir embora com um bando de marginais?
― Tio, ser feliz não é só se agarrar a um lugar a vida toda, diz pra eles que torçam por mim. Quando chegar a hora, que vai ser a hora de todos, vou estar do lado dela e vou estar feliz. É o que importa.
Mário Hideo Fukushima tomou o rumo de casa com a noite caindo e o ânimo surpreendentemente leve; não perdera nenhum homem em batalha, recuperara uma parte do milho roubado e sabia que estava fazendo exatamente o que queria fazer, vivendo exatamente a vida que desejou para si. Lembrou de uma passagem quando tinha mais ou menos a idade do sobrinho, época em que a sua família estava longe de ser a potência econômica de hoje. Fazia a ronda nos puteiros da região, mas não tinha um tusto nem pra puxar um gato pelo rabo; pedia uma cerveja que tinha de durar a noite toda e ficava lá, fazendo-se de amigo das “tias”. Até que uma marafona lhe abriu os olhos e disse: “Marinho, não se engane, você aqui só faz papel de tonto, a gente chama caras como você de ‘chimbador’: o sujeito vem, sente o perfume do amor, passa a mão, admira a mobília e... não faz nada! Guarde, espere, e só apareça quando puder ter uma dama de verdade”.
Ela estava certa. E agora, com o prazo encurtando feito um pavio, mais ainda perda de tempo seria viver no faz-de-conta, na mágoa disfarçada de saudade, ou mesmo praticar a violência desenfreada. O problema está justamente no tempo que se leva para perceber: sabemos imediatamente quando (quanto e como) sofremos, antecipamos milhões de dores imaginárias, o que muitas vezes só descobrimos depois é o tempo em que éramos felizes e não sabíamos. A velha história do farol que só ilumina para trás. Levantou a vista para o céu estrelado e os seus olhos procuraram imediatamente Buluc Chabtam, que lá estava, cada vez maior, o seu brilho mortífero engolindo progressivamente as Três Marias. Pensou nos dois adolescentes fujões, depois pensou nele mesmo, na mulher e nos filhos. Ainda lhes restava mais alguns meses.
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2 comentários:
Quando se sabe quando e que vamos todos morrer juntos fica fácil escolher a companhia.A vida não costuma nos dar essa regalias.
O conto tem aquele ritmo forte que já é uma característica dos seus escritos. A escolha do nome da familia nos remete ao desastre atual.
Gostei.
tks compa, sua companhia vai ajudando nesta caminhada.
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